quarta-feira, 15 de março de 2017

Lenda da Caninha Verde

  1.       Em tempos que já lá vão, nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio em Fataunços, perto de Vouzela, o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum. El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala, uma velha cana que vinha sendo transmitida na sua família, de geração em geração, entregue ao seu novo possuidor com umas palavras misteriosas... Ora, o facto de El Haturra se fazer acompanhar por aquela cana negra e ressequida era objecto de troça de todos, a tal ponto que um seu amigo, o jovem português Álvaro o aconselhou a desfazer-se dela. El Haturraconfidenciou-lhe então que a vara tinha magia e que se um dia chegasse a ficar verde era o sinal sagrado do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum.
  2.      Nesse dia esperado, as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltariam à posse da família e as formosas mouras seriam desencantadas. Uma condição essencial era que ambos os descendentes professassem a religião de Alá. Um dia, passeavam El Haturra e o seu amigo Álvaro pelo campo quando viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia, de cabelo negro e olhos azuis, que cavalgava um cavalo negro. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer, tornando-se jovem e belo. Ao primeiro olhar, El Haturra tinha reconhecido na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal. Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o baptismo de El Haturra. De início o agora jovem El Haturra opôs-se veemente, mas por fim a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real.
  3.       O baptismo ficou marcado para o dia do casamento e foi então que aconteceu algo de extraordinário: no momento em que estava a ser baptizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como dantes. A magia da caninha verde só seria válida se ambos os nubentes professassem a religião de Maomé.A noiva desmaiou naquele mesmo momento e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre, enquanto que a sua cana verde foi guardada num sítio secreto.Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que pensam que chegou a hora da sua libertação.
Conto popular português (Vouzela)

terça-feira, 14 de março de 2017

A vendedora de cebolas

  1. A Vendedora de Cebolas
  2.       A rapariga tinha sido mandada à feira pela madrasta para vender um cesto de cebolas e uma giga de ovos. Saíra de casa com o cesto à cabeça ainda o sol não tinha nascido. Por várias vezes, ao longo do caminho, os socos derraparam nas pedras escorregadias pela geada. Salvou-a da queda o bom equilíbrio que sempre teve. Deixasse cair o cesto e era certa a tareia da madrasta. Tanto mais que não se vendem cebolas maçadas e ovos muito menos e ela tinha de entregar em casa o dinheiro certinho.
  3.      Chegou à feira já o sol ia alto. Quanto mais cedo se chegasse,melhor negócio se fazia. Os preços começavam a baixar com o arrastar da manhã e os mercadores acabavam por vender os últimos produtos a menos de metade do preço, para não terem de regressar a casa com eles.Passou ao lado da tenda do mercador de caldeirões e corou quando o viu a falar com uma velha que apontava para um caldeirão. Ele era tão bonito, que a rapariga gostava de passar ali só para o ver. O jovem mercador nem para ela olhava. E como poderia ele olhar para uma rapariga tão feia e tão miseravelmente vestida? Mas ela não se importava. A lembrança dele nos dias duros de trabalho e nas noites frias aquecia-lhe o peito e isso bastava-lhe.
  4.      Poisou o cesto – ninguém ali à volta se oferecera para a ajudar a descê-lo da cabeça, nem mesmo as conhecidas de outros dias de feira que ao lado apregoavam os produtos – e sentiu-se derreada.No dia anterior, a madrasta tinha-a mandado retirar o estrume do curral,trabalho que lhe ocupou grande parte do dia. Já na cozinha, quando tinha mais vontade de comer e ir para a cama do que fazer o que quer que fosse, a madrasta ainda a obrigou a fazer a ceia e a preparar o cesto para a feira.Enquanto picava uma cebola para o refogado, chorou e o pai, que acabava de chegar de uma lavrada, perguntou-lhe:
  5.      – Por que choras, minha filha?
  6.      E ela disse-lhe que por causa da cebola. O pai acreditou e sentou-se junto à lareira a tirar as botas antes de pôr os pés ao fogo. A madrasta, ao lado, cosia uns fundilhos e ali estiveram a fazer sala à espera que o manjar estivesse pronto, enquanto os dois miúdos, seus meio-irmãos, por ali andavam a arranhar-se com gritos e correrias.
  7.      Foi muito tarde que a rapariga se foi deitar no quarto das traseiras, depois de ter lavado a loiça, preparar o avental,a saia e a blusa que no dia seguinte vestiria para a feira.Mesmo assim, aos olhos de quem passava, não parecia mais do que uma mendiga, tão remendada estava a saia,tão gasto o avental e tão puída a blusa.Apesar de todas as desgraças, o negócio corria-lhe bem e no final da manhã tinha vendido quase todos os ovos e boa parte das cebolas. Estava com tanta fome que se atreveu a pegar numa cebola, das mais pequenas.
  8.      Tirou-lhe as várias camadas de casca e começou a comê-la com um pedacito de pão duro que guardara no bolso do avental. Estava ela de boca cheia, sentindo a acidez da cebola a picar-lhe a língua, quando se aproximou a velha que ela tinha visto a conversar com o jovem mercador. Trazia um caldeirão na mão, parou junto ao cesto e perguntou-lhe pelo preço das cebolas. A rapariga disse-lhe que, como eram as últimas, lhas dava por metade do preço. A velha apalpou uma e comentou:
  9.      – Não me parece que durem todo o Inverno. Têm a casca mole.
  10.      Piscou o olho direito e acrescentou:
  11.      – Se mas deres por metade do preço dessa metade que dizes, talvez as leve.
  12.      – Não posso, tiazinha – respondeu a rapariga. – A minha madrasta recomendou-me quen ão descesse o preço mais do que o justo. Se não lhe entregar o dinheiro certo, ela castiga-me.
  13.      – E como sabe ela qual é o dinheiro certo antes de a feira acabar? – perguntou a velha piscando desta vez o olho esquerdo. – É por acaso bruxa?
  14.      A rapariga não sabia dizer. As bruxas são más, toda a gente sabe, e se assim fosse, a madrasta era uma bruxa. Mas a rapariga também sabia que as bruxas eram velhas e feias. E então a madrasta já não podia ser bruxa. Foi por ser nova e bonita que o pai,quando ficou viúvo, casou com ela. Mas não sabia explicar como sabia a madrasta o dinheiro que a rapariga lhe deveria entregar.
  15.      – Talvez – sugeriu a velha – ela não saiba, mas diz que sabe para tu ficares com medo e não te deixares enganar pelos clientes ou não gastares o dinheiro mal gasto.
  16.     E pôs-se a matutar. Bem que as cebolas valiam o dinheiro que a rapariga pedia. Mas ela não tinha moedas suficientes. Foi então que lhe surgiu uma ideia:
  17.      – Dás-me as cebolas pelo meu preço e não precisarás mais de te preocupar com a tua madrasta, que deve ser uma mulher bem mais malvada do que eu.A rapariga não percebeu bem a fala da velha do caldeirão. Mas porque lhe pareceu que a velha era atrasadinha, coitada, deu-lhe as cebolas ao preço que ela estava disposta apagar. A velha meteu as cebolas no caldeirão e foi-se embora muito satisfeita depois de ter dito como despedida:
  18.      - Eu te fado bem fadada para que sejas bem casada.
  19.      A rapariga guardou as moedas no bolso do avental, acabou de comer a cebola e o pão, ajeitou o cesto na cabeça, agora bem mais leve e preparou-se para abandonar a feira. Passou na tenda do mercador dos caldeirões e, como sempre fazia,olhou para lá de relance. Estava estranhamente abandonada, com os caldeirõesbrilhando ao sol sem ninguém que os guardasse. A rapariga aproximou-se, poisou ocesto e pôs-se a observar a tenda. Ali perto havia um charco e ela ouviu um coaxar. Juntoà água estava um enorme sapo, tão grande como ela nunca vira. A maneira como o bichocoaxava parecia dizer: Beija-me, beija-me, mas dito pelo nariz. Ela pôs-lhe a mão e sentiu-lhe o dorso viscoso. Se fosse outra, sentiria nojo e fugiria dali a cuspir. Mas arapariga estava habituada a coisas bem mais nojentas que a madrasta a obrigava a fazer.
  20.     – Estás aqui sozinho? Coitadinho! – disse ela. E o sapo coaxava: Beija-me, beija-me. Ela pegou nele em ambas as mãos, como se pegasse numa flor, passou-lhe os lábios pela cabecita sem pescoço e, sem que ela percebesse como, viu-se ao colo do jovem mercador de caldeirões. Ele sorriu e retribuiu-lhe o beijo. Depois disse:
  21.     – És a rapariga mais bela deste reino. E porque me salvaste, farei de ti a rainha dos caldeirões
(Conto Tradicional)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Vem aí o Zé das Moscas


  1.      Contam que um homem, meio amalucado, se queixava de sofrer de zumbidos, muitos zumbidos à volta da cabeça, que o punham zonzo, aluado e ainda mais maluco do que ele já era.
  2.       - São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz--bzz... bzz-bzz... Não entendo isto - contava ele a quem tinha tempo e paciência para ouvi-lo. 
  3.      Havia os que se condoíam, havia os que se irritavam. Havia os que lhe fugiam, mal, ao longe, o enxergavam. Verdade se diga que o homem não tinha outra conversa. Alguém lhe deu de conselho que fosse ao médico. As salas de espera dos consultórios destes, estão cheias disseram-lhe. Uns casos ouvem zumbidos, outros, campainhas. Também há os que ouvem sinos. E os que ouvem sirenes. E os que não ouvem nada. Os médicos servem para isso mesmo, para escutar as queixas, classificar as doenças, ditar os tratamentos. Ele que se despachasse e fosse à consulta, porque, quase de certeza, o médico acharia remédio para o seu mal. Ele foi. 
  4.      - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz-bzz... 
  5.      O médico mirou-o dos pés à cabeça e perguntou-lhe: 
  6.      - O senhor costuma lavar a cabeça? 
  7.      - Por dentro ou por fora? 
  8.      - Por fora, já se vê - impacientou-se o médico. - Quem diz a cabeça, diz o cabelo. Porque o que eu vejo é que o senhor tem uma quantidade de moscas à volta da cachola. Para o seu caso, os meus estudos de nada servem.
  9.       - Então não tenho cura, senhor doutor?
  10.       O médico encolheu os ombros. Já tinha atendido imensos doentes, outros tantos o esperavam. Sentia uma perna dormente de estar sentado há que tempos. Saturado até mais não! Realmente o médico estava pelos cabelos e já com tão poucos... À maneira de despedida, despachou assim o homem: 
  11.      - Se as moscas o atormentam, grite-lhes e enxote-as. Passe bem. 
  12.      O homem seguiu à risca o conselho. Quer de noite quer de dia, desesperava-se a berrar: 
  13.      - Zute, moscas, zute, moscas! Vão fazer bzzbzz para outro monturo. 
  14.      Os vizinhos foram fazer queixa dele à polícia. Não conseguiam dormir descansados. O comandante mandou chamá-lo e pregou-lhe um discurso, que era uma reprimenda de todo o tamanho. 
  15.      - Mas a culpa toda é das moscas - lastimou-se o homem. 
  16.      - Se tem querela com as moscas, contrate um advogado e ponha uma acção contras as supraditas no tribunal - ordenou o comandante, um ferrabrás. - E ponto final no assunto. 
  17.      O pobre homem estava por tudo. Bateu à porta de um advogado. 
  18.      - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz--bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz- bzz... 
  19.      - E que tenho eu com isso? - intrigou-se o advogado, que era novo no ofício, mas já pesporrento, como as maiores sumidades.
  20.      O homem contou donde viera, os santos de capela a que ajoelhara. 
  21.      - Que ideia a sua, mais a do policial que o persuadiu. 
  22.      Tantos anos de estudo, tantas noites mal dormidas, agarrado aos códigos, para suportar patacoadas deste jaez. Que enfado! O doutor advogado tinha azedumes e falta de clientes. Condescendência, nenhuma. 
  23.      - Se o seu mal são moscas e mosquitos, vá ao veterinário. A bem dizer, ele é que percebe de animais. Ora, portanto, as moscas pertencem-lhe. O homem, cada vez mais azamboado, foi ter com um doutor veterinário, que, depois de lhe ouvir as lamúrias, o atendeu com maus modos: 
  24.      - Então o doutorzinho passou-o para mim? Estava com os azeites e sacudiu as moscas para cima do parceiro, como se eu também fosse da batota. Pois deixe estar que eu já o despacho. Vá ao juiz. Se tem agravos contra insectos, desagrave-se, diante do juiz. 
  25.      Pobre homem. De Herodes para Pilatos, de tanto aturar doutores com a mosca e maus fígados, estava por metade do que fora. E os zumbidos sempre a atormentá-lo. 
  26.      - Senhor doutor presidente do tribunal, as moscas não me deixam em paz. São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz-bzz... Não entendo isto.
  27.      O juiz riu-se. Tinha acabado de almoçar, por sinal com o doutor advogado, o comandante de polícia e o médico. Rico almoço. O veterinário escusara-se ao convívio, porque andava de candeias às avessas com o advogado, embora o caso ainda se componha. Mais dia menos dia, vão encontrar-se os cinco à roda da mesma mesa. Mas a nossa história é outra. Estamos a desviar-nos. Onde é que nós íamos? No juiz, pois claro. Dizia ele, muito prazenteiro: 
  28.      - Fique o meu amigo sabendo que cada mosca tem a sua lei. Não há código que as vença. Só posso aconselhá-lo a que, assim que vir uma a jeito, lhe dê uma paulada das rijas. 
  29.      - E o senhor doutor presidente do tribunal não me manda prender por eu andar a matar moscas? -perguntou o homem, muito a medo. 
  30.      O juiz largou uma grande risada. Que história mais divertida aquela, para contar, depois, no café, ao advogado, ao comandante de polícia e ao médico... 
  31.      - Mandar prendê-lo por caçar moscas? Que ideia! - disse o juiz, assoando-se e enxugando as lágrimas do riso. 
  32.      - Passo-lhe já aqui uma licença, lavrada em papel selado, que o autoriza a matar todas as moscas do país, onde quer que as veja...Garanto-lhe que ninguém mais o incomodará. E o juiz redigiu, assinou e entregou o documento. Nisto, poisa uma mosca na careca do doutor das leis. O homem, assim que a viu, não esteve com meias-medidas. Pega num pau e zás, que se faz tarde!
  33.       Parece que quem ficou a ouvir zumbidos à volta da cabeça foi o tal doutor juiz. O nosso homem curou-se. E a história acaba aqui
  1. "Vem aí o Zé das Moscas" Texto de António Torrado, Histórias Tradicionais Portuguesas contadas de novo Publicado em: www.escolovar.org

terça-feira, 7 de março de 2017

Uma moça

Uma moça, bonita e prendada, não encontrava casamento, embora muito merecesse um bom estado. Ia sempre à missa das almas, pela madrugada, e rezava seu rosário para elas. Perto da casa da moça morava um homem rico e solteiro que dizia só casar-se com a melhor fiandeira da cidade. A moça sabendo essa notícia, ia comprar linho à casa do rico, dizendo fiá-lo todo num só dia. O homem ficava pasmado, vendo uma moça tão trabalhadora. Não dando inteiro crédito ao que ouvia, uma manhã, em que a moça apareceu para mercar um pouco de linho, disse-lhe em tom de brincadeira: moça, se esse linho é fiado num dia, sem entrar pelo serão, leve-o sem pagar e irei ao anoitecer ver sua tarefa. A moça voltou para casa muito aflita com a promessa porque não podia fiar o linho num dia, nem a metade da porção que trouxera. Pôs o linho nas rocas e começou a chorar, a chorar sem consolo. Quando, estava assim, ouviu uma voz trêmula dizendo: - Por que chora a minha filha? Levantou a cabeça e viu uma velha, muito velha, vestida de branco e muito pálida. Contou o que lhe sucedia e a velha disse: vá rezar seu rosário que eu vou ajudá-la um pouco. A moça foi rezar e quando acabou todo o linho estava fiado e pronto. A velha disse: Se você casar eu virei às bodas e não se esqueça de chamar-me minha tia por três vezes. A moça prometeu. Quando o mercador chegou e viu o linho fiado, ficou assombrado. Gabou muito a moça e no outro dia mandou, ainda uma porção maior de linho, dizendo que voltaria para ver o resultado. A moça pôs-se a chorar sem parar. Outra velha apareceu, parecida com a primeira, e fiou o linho num amém, enquanto a moça rezava. e ao despedir-se fez o mesmo pedido que a primeira velha fizera. Ainda uma vez o mercador visitou a moça e não teve palavras para elogiar o quanto ela fizera num dia. Mandou, de presente, ainda mais linho e o mesmo pedido. A moça voltou a lamentar-se e uma terceira velha apareceu e tudo se passou como de costume, linho fiado e promessa feita, O mercador veio visitar a moça e pediu-a em casamento, marcando-se o dia. Como um dos pre sentes de noivado, recebeu a noiva muito linho para fiar, e rocas, fusos, dobadouras e mais apetrechos. A moça estava desesperada com; o seu futuro. Quando acabou de casar, surgiram na porta as três velhas juntas. A moça, lembrada do que prometera, recebeu-as muito bem, tratando-as por tias, oferecendo comida, bebida, assento, e fazendo toda a sorte de agrados e oferecimentos. O noivo não tinha cobro do espanto qué lhe causava a feição de cada uma das velhas. Não se contendo, perguntou: - Por que as senhoras são assim, corcovadas, alhos esbugalhados e queixos para fora? Foi alguma doença? - Não foi, senhor sobrinho - responderam as velhas - foi o fiar que nos deu essas pechas. Fiámos anos e anos e ficámos assim, corcovadas pela posição, olhos esbugalhados de acompanhar o riço, queixos feios péla tarefa com os tomentos. O noivo não quis mais saber de rocas, fusos e dobadouras. Agarrou tudo e atirou pana o meio da rua, dizendo que jamais sua mulher havia de pegar num instrumento que a faria tão feia. Viveram muito felizes. As três velhas eram as "alminhas," agradecidas pela devoção da moça

domingo, 5 de março de 2017

lenda da princesa Joana

A princesa D. Joana, filha do rei Afonso V, revelou desde muito tenra idade uma grande vocação religiosa. Esta filha primogénita, apesar de ser obrigada a viver na Corte pela sua posição, afastava-se o mais possível de festas e convívios e passava grande parte do seu tempo a rezar e a meditar. A princesa era, dizia-se, muito bela e teve muitos pretendentes, entre estes muitas cabeças coroadas, mas a todos recusou alegando a sua intenção de se tornar freira. Com a autorização real, entrou D. Joana para Odivelas, mudando-se mais tarde para o Convento de Santa Clara de Coimbra mas acabando por resolver professar no Convento de Jesus, em Aveiro. Esta última decisão foi contestada tanto pelo rei como pelo povo, dado que o Convento de Jesus era muito pobre e, na opinião geral, indigno de uma princesa. Por outro lado, o povo discordava da vocação da princesa e não queriam ela professasse. Perante tanta discórdia D. Joana decidiu não professar, mas declarou que usaria o véu de noviça para sempre e insistiu em ingressar no Convento de Jesus, vivendo na humildade e na pobreza e aplicando as rendas que possuía no socorro dos pobres. A sua caridade era tão grande que depressa ficou conhecida como santa. Mas a bela princesa adoeceu de peste e morreu em grande sofrimento. Quando o seu enterro passou pelos jardins do convento deu-se um facto insólito: as flores que ela havia tratado em vida caiam sobre o seu caixão prestando-lhe uma última homenagem. Após este primeiro milagre, muitos outros foram atribuídos a Santa Joana Princesa, levando a que, duzentos anos depois, o Papa Inocêncio XII concedesse a beatificação a esta infanta de Portugal.

sábado, 4 de março de 2017

aconteceu na Caatinga

Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz. - Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas. - Mas que novidade é essa? - falou a Jurema. - Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado. - Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá. A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio. E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes. Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada. O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada: - Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente. - Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma solução. Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado. - Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga. E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou: - Estou sentindo cheiro de água! - É mesmo! - gritaram todos. - O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema. - Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados. O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu: - Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades! E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo. - As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos! E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra. E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu: - É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!

sexta-feira, 3 de março de 2017

Carnaval e Cinzas

Poema do Carnaval

Nesta época festiva,
Deseja-se a todos os Povos...
Um Carnaval cheio de Páscoas...
E um Natal cheio de Anos Novos....

Que as renas do Pai Natal,
Surjam nos céus a Voar,
Tilintando alegremente...
Com o Rudolph a piscar!

Que o Pai Natal e os duendes,
Façam raves a bombar...
E não se baralhem nas botas...
Na altura de ofertar!....

Que o presépio de Natal,
Tenha estrelas sorridentes,
Ovelhinhas e pastores...
E Reis Magos bué contentes!

Que tudo surja em sorrisos,
Com muita paz e carinho...
E que o coelho da Páscoa,
Se esmere no sapatinho!

Que se tenha nesta quadra,
Muito amor e alegria...
Rabanadas e filhoses
Arroz doce e aletria!

(desconhecido)

Máscara de Carnaval

"Como te quero e admiro
Máscara de Carnaval ...
Máscara querida,
Porque não és fingida ...
Tu não mentes,
Dizes o que sentes,
És o que és ...
Fica conosco
O ano inteiro;
Ensina o homem
A ser verdadeiro;
Tapa-lhe a cara
De máscara disfarçada,
Que faz do mundo actual,
Um terrivel
E constante Carnaval."

(Maria Alice Fonseca)



Quarta-Feira de Cinzas ou Poeiras

Queira ou não queira terminou o Carnaval.
Para alguns ou muitos, agora é que começa o ano oficialmente. Para outros como eu, já estou vivendo o novo ano há um bom tempo... várias emoções, momentos, desilusões, ilusões, visões e certezas.
Bem, para quem ainda pensa que o ano ainda não começou... comece agora e tente recuperar o tempo off que acabou passando... Ame o dobro, beije o dobro, abrace o triplo e viva mutiplicando-se.

Que venham outros feriados.




quinta-feira, 2 de março de 2017

singularidades de uma rapariga loira

(...) Macário estava então na plenitude do amor e da alegria. Via o fim da sua vida preenchido, completo, radioso. Estava quase sempre em casa da noiva, e um dia andava-a acompanhando, em compras, pelas lojas. Ele mesmo lhe quisera fazer um pequeno presente, nesse dia. A mãe tinha ficado numa modista (1), num primeiro andar da Rua do Ouro, e eles tinham descido, alegremente, rindo, a um ourives que havia em baixo, no mesmo prédio, na loja. O dia estava de Inverno, claro, fino, frio, com um grande céu azul-ferrete, profundo, luminoso, consolador. - Que bonito dia! - disse Macário. E com a noiva pelo braço, caminhou um pouco, ao comprido do passeio. - Está! - disse ela. - Mas podem reparar, nós sós... - Deixa, está tão bom... - Não, não. E Luísa arrastou-o brandamente para a loja do ourives. Estava apenas um caixeiro, trigueiro(2), de cabelo hirsuto (3). Macário disse-lhe: - Queria ver anéis. - Com pedras - disse Luísa - e o mais bonito. - Sim, com pedras - disse Macário. - Ametista, granada. Enfim, o melhor. E, no entanto, Luísa ia examinando as montras forradas de veludo azul, onde reluziam as grossas pulseiras cravejadas, os grilhões, os colares de camafeus (4), os anéis de armas, as finas alianças, frágeis como o amor, e toda a cintilação da pesada ourivesaria. - Vê, Luísa - disse Macário. O caixeiro tinha estendido, na outra extremidade do balcão, em cima do vidro da montra, um reluzente espalhado de anéis de ouro, de pedras, lavrados, esmaltados; e Luísa, tomando-os e deixando-os com as pontas dos dedos, ia-os correndo e dizendo: - É feio. É pesado. É largo. - Vê este - disse-lhe Macário. Era um anel de pequenas pérolas. - É bonito - disse ela. - É lindo! - Deixa ver se serve - disse Macário. E tomando-lhe a mão, meteu-lhe o anel devagarinho, docemente, no dedo, e ela ria, com os seus brancos dentinhos finos, todos esmaltados. - É muito largo - disse Macário. - Que pena ! - Aperta-se, querendo. Deixe a medida. Tem-no pronto amanhã. - Boa ideia - disse Macário - sim senhor. Porque é muito bonito. Não é verdade? As pérolas muito iguais, muito claras. Muito bonito! E estes brincos? - acrescentou, indo ao fim do balcão, a outra montra. - Estes brincos com uma concha? - Dez moedas - disse o caixeiro. E, no entanto, Luísa continuava examinando os anéis, experimentando-os em todos os dedos, revolvendo aquela delicada montra, cintilante e preciosa. Mas, de repente, o caixeiro fez-se muito pálido, e afirmou-se em Luísa, passando vagarosamente a mão pela cara. - Bem - disse Macário, aproximando-se - então amanhã temos o anel pronto. A que horas? 0 caixeiro não respondeu e começou a olhar fixamente para Macário. - A que horas? - Ao meio-dia. - Bem, adeus - disse Macário. E iam sair. Luísa trazia um vestido de lã azul, que arrastava um pouco, dando uma ondulação melodiosa ao seu passo, e as suas mãos pequeninas estavam escondidas num regalo(5) branco. - Perdão! - disse de repente o caixeiro. Macário voltou-se. - 0 senhor não pagou. Macário olhou para ele gravemente. - Está claro que não. Amanhã venho buscar o anel, pago amanhã. - Perdão! - disse o caixeiro. - Mas o outro... - Qual outro? - disse Macário com uma voz surpreendida, adiantando-se para o balcão. - Essa senhora sabe – disse o caixeiro. - Essa senhora sabe. Macário tirou a carteira lentamente. - Perdão, se há uma conta antiga... O caixeiro abriu o balcão, e com um aspecto resoluto: - Nada, meu caro senhor, é de agora. É um anel com dois brilhantes que aquela senhora leva. - Eu! - disse Luísa, com a voz baixa, toda escarlate. - Que é? Que está a dizer? E Macário, pálido, com os dentes cerrados, contraído, fitava o caixeiro colericamente. O caixeiro disse então: - Essa senhora tirou dali um anel. - Macário ficou imóvel encarando-o. - Um anel com dois brilhantes. Vi perfeitamente. - O caixeiro estava tão excitado, que a sua voz gaguejava, prendia-se espessamente.- Essa senhora não sei quem é. E tirou-o dali... Macário, maquinalmente, agarrou-lhe no braço, e voltando-se para Luísa, com a palavra abafada, gotas de suor na testa, lívido: - Luísa, dize... - Mas a voz cortou-se-lhe. - Eu... - disse ela. Mas estava trémula, assombrada, enfiada, descomposta. E tinha deixado cair o regalo ao chão. Macário veio para ela, agarrou-lhe no pulso fitando-a: e o seu aspecto era tão resoluto e tão imperioso, que ela meteu a mão no bolso, bruscamente, apavorada, e mostrando o anel: - Não me faça mal - disse, encolhendo-se toda. - Macário ficou com os braços caídos, o ar abstracto, os beiços brancos; mas de repente, dando um puxão ao casaco, recuperando-se, disse ao caixeiro: - Tem razão. Era distracção. Está claro! Esta senhora tinha-se esquecido. É o anel. Sim, sim, senhor, evidentemente... Tem a bondade. Toma, filha, toma. Deixa estar, este senhor embrulha-o. Quanto custa? - Abriu a carteira e pagou. Depois apanhou o regalo, sacudiu-o brandamente, limpou os beiços com o lenço, deu o braço a Luísa e dizendo ao caixeiro: «Desculpe, desculpe», levou-a, inerte, passiva, extinta e aterrada. Deram alguns passos na rua. Um largo sol aclarava o génio feliz: as seges passavam, rolando ao estalido do chicote: figuras risonhas passavam, conversando: os pregões ganiam os seus gritos alegres: um cavalheiro de calção de anta fazia ladear o seu cavalo, enfeitado de rosetas; e a rua estava cheia, ruidosa, viva, feliz e coberta de sol. - Macário ia maquinalmente, como no fundo de um sonho. Parou a uma esquina. Tinha o braço de Luísa passado no seu; e via-lhe a mão pendente, ora de cera, com as veias docemente azuladas, os dedos finos e amorosos: era a mão direita, e aquela mão era a da sua noiva! E, instintivamente, leu o cartaz que anunciava para essa noite, «Palafoz em Saragoça». De repente, soltando o braço de Luísa, disse-lhe baixo: - Vai-te. - Ouve!... - disse ela, com a cabeça toda inclinada. - Vai-te. - E com a voz abafada e terrível: - Vai-te. Olha que chamo. Mando-te para o Aljube. Vai-te. - Mas ouve, Jesus - disse ela. - Vai-te! - E fez um gesto, com o punho cerrado. - Pelo amor de Deus, não me batas aqui - disse ela, sufocada. - Vai-te, podem reparar. Não chores. Olha que vêem. Vai-te! E chegando-se para ela disse baixo: - És uma ladra! E voltando-lhe as costas, afastou-se, devagar, riscando o chão com a bengala. À distância, voltou-se: ainda viu, através dos vultos, o seu vestido azul. Como partiu nessa tarde para a província, não soube mais daquela rapariga loura. Singularidades de Uma Rapariga Loura in Obras de Eça de Queiroz –

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

D. CAIO

D. CAIO
Era um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando à porta da rua; como ele tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir de valente. Vai de uma vez viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. D'aqui em diante não fazia senão gabar-se:
— Eu cá mato sete de uma vez!
Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o maior valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra ele, porque sabiam que não tinha quem mandasse a combatê-las. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo metê-lo no bico ao rei, que se lembrou de que quem era assim tão valente seria capaz de ocupar o posto de D. Caio. Veio o alfaiate à presença do rei, que lhe perguntou:
— É verdade que matas sete de uma vez?
— Saberá vossa majestade que sim.
— Então n'esse caso vais comandar as minhas tropas, e atacar os inimigos que já me estão cercando.
Mandou vir o fardamento de D. Caio e fê-lo vestir ao alfaiate, que era muito baixinho, e que ficou com o chapéu de bicos enterrado até às orelhas; depois disse que trouxessem o cavalo branco de D. Caio para o alfaiate montar. Ajudaram-no a subir para o cavalo, e ele já estava a tremer como varas verdes; assim que o cavalo sentiu as esporas botou à desfilada, e o alfaiate a gritar:
— Eu caio, eu caio!
Todos os que o ouviam por onde ele passava, diziam:
— Ele agora diz que é o D. Caio; já temos homem.
O cavalo que andava costumado às escaramuças, correu para o sitio em que andava a guerreia, e o alfaiate com medo de cair ia agarrado às crinas, a gritar como desesperado:
— Eu caio, eu caio!
O inimigo assim que viu vir o cavalo branco do general valente, e ouviu o grito: «Eu caio, eu caio!» conheceu o perigo em que estava e disseram os soldados uns para os outros:
— Estamos perdidos, que lá vem o D. Caio; lá vem o D. Caio.
E botaram a fugir à debandada; os soldados do rei foram no seu encalço e mataram-nos, e o alfaiate ganhou assim a batalha só em agarrar-se ao pescoço do cavalo e em gritar: «Eu caio.» O rei ficou muito contente com ele, e em paga da vitória deu-lhe a princesa em casamento, e ninguém fazia senão louvar o sucessor de D. Caio pela sua coragem.
(Porto)
Contos tradicionais do povo português, por Teófilo Braga

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

FRei João Sem cuidados

Era uma vez um rei que governava um país onde nunca acontecia nada de interessante. A única coisa de mais interesse era haver ali um homem que dizia não ter medo de nada. Esse homem chamava-se Frei João Sem Cuidados. O rei ouviu falar nesse homem e quis ver se isso era mesmo assim. Então, certo dia, mandou chamar Frei João ao palácio e disse-lhe: – Vou fazer-te três perguntas. Dou-te três dias para pensares nas respostas. Se daqui a três dias não souberes as respostas, mando-te matar! As perguntas são: Quanto pesa a lua? Quanta água tem o mar? Em que é que eu estou a pensar? Frei João sem Cuidados saiu do palácio a pensar nas respostas que tinha de dar ao rei. E, claro, ia bastante preocupado. No caminho para casa, cruzou-se com o moleiro. Diz-lhe o moleiro: – Olá, Frei João. Vejo-o tão triste! O que lhe aconteceu? O Frei João disse então ao moleiro a razão da sua preocupação: – É que o rei manda-me matar se eu não lhe disser três coisas: quanto pesa a lua, quanta água tem o mar e no que é que ele está a pensar…Quando ouviu isto, o moleiro riu-se: – Não tenha problemas, Frei João! Empreste-me a sua roupa e eu irei por si ao palácio dar as respostas ao rei. Passados três dias, o moleiro, vestido de Frei João, foi ao palácio responder ao rei. O rei perguntou-lhe: – Então, quanto pesa a lua? – Quatro quartos do seu peso. – Respondeu o moleiro. – E quanta água tem o mar? – É preciso que Vossa Majestade mande tapar todos os rios, para eu poder responder a essa pergunta. – Está bem, aceito a tua resposta. – disse o rei. – Mas agora se não souberes no que eu estou a pensar, mando-te matar! – Vossa Majestade pensa que está a falar com Frei João e está a falar com o moleiro! Ao dizer isto, o moleiro tira a roupa do Frei João e mostra ao rei que é o moleiro. O rei ficou de boca aberta com a esperteza do homem.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

A raposa e o corvo

O Corvo apanhou um queijo, e com ele fugindo, se poisou sobre uma árvore. Viu-o a Raposa, e desejou de lhe comer o seu queijo: e pondo-se ao pé da árvore, começou a dizer ao Corvo: -- Por certo que és formoso, e gentil-homem, e poucos pássaros há que te ganhem. Tu és bem disposto e mui galante; se acertaras de saber cantar, nenhuma ave se comparará contigo. Soberbo o Corvo destes gabos e desejando de lhe parecer bem, levanta o pescoço para cantar; porém abrindo a boca, caiu-lhe o queijo. A Raposa o tomou e foi-se, ficando o Corvo faminto.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Conto irlandês

Há muitos, muitos anos, havia imensos gigantes na Irlanda. Os gigantes eram grandes rivais uns dos outros e sempre que se encontravam, andavam aos socos e pontapés até que um desistisse ou fugisse. Mas todos concordavam que o maior gigante de todos era Cuchulainn. Ele nunca tinha apanhado uma tareia e tinha conseguido derrotar praticamente todos os gigantes do país. Só havia um gigante contra o qual ele não se tinha batido: Fionn mac Cool. É que Fionn conseguia saber o que se passava em todo o lado. Tudo o que tinha de fazer era pôr o polegar esquerdo na boca e chuchar para imediatamente saber o que tinha acontecido, o que estava a acontecer e o que iria acontecer. Assim, conseguia evitar encontrar-se com Cuchulainn, porque sempre que sabia que o gigante vinha lá, fugia e escondia-se até que Cuchulainn se fosse novamente embora. Isto deixava Cuchulainn zangado. Queria ser conhecido como o maior, o mais feroz e o gigante mais feio de toda a Irlanda, mas enquanto não tivesse lutado contra Fionn havia sempre a hipótese, uma pequena hipótese, de ser derrotado. Assim, um dia Cuchulainn resolveu ir à montanha onde Fionn vivia. Fionn tinha construído uma casa no alto da montanha; algumas pessoas diziam que era para poder ver a chegada de outros gigantes e esconder-se deles. Quando Cuchulainn começou a subir a íngreme encosta, Fionn espreitou pela janela e viu-o. “Oh meu Deus!” – gritou ele. “O terrível Cuchulainn vem aí! Desta vez apanha-me de certeza”. Acontece que Fionn era casado com Oona, que era tão inteligente como amável e tão bonita como esperta. Ela perguntou: “Quanto tempo falta para ele chegar?” Fionn pôs o polegar na boca. “Por volta das três horas. E ele quer esborrachar-me como um monte de bosta. O que hei-de fazer?” “Shhhh, fica sossegado” – disse Oona. “Faz o que eu disser e tudo correrá bem”. Logo de seguida, Oona começou a fazer uma fornada de enormes bolos. Três deles como era habitual, mas nos outros três colocou pedras grandes. Quando ficaram prontos, Oona colocou-os em duas prateleiras – os três bolos normais na prateleira de cima e os três bolos com pedras na prateleira de baixo. Depois, disse a Fionn para se enfiar no grande berço de verga, onde ela o embrulhou num cobertor grande e lhe pôs uma touca na enorme cabeça. “Fica aí e finge seres um bebé” – disse ela. “Podes chuchar no dedo para saberes exactamente o que estou a pensar e o que quero que faças. Diz-me só uma coisa: de onde é que vem a força deste gigante?” “Ah, do dedo do meio da mão direita” – disse Fionn. Oona acenou com a cabeça, sentou-se na cadeira de baloiço e ficou à espera que Cuchulainn chegasse. Exactamente às três da tarde, Cuchulainn bateu pesadamente à porta. Fionn puxou o cobertor para cima da cabeça e começou a tremer de medo, mas Oona escancarou a porta. “É aqui que mora Fionn mac Cool?” – trovejou Cuchulainn. “É, sim” – respondeu Oona. “Faça o favor de entrar e de se sentar”. Então Cuchulainn entrou, sentou-se na cadeira de Fionn e olhou em volta. “Que rico bebé tem aqui” – disse ele. “Por acaso o pai não está em casa?” “Lamento, mas não” – disse Oona. “Ele falou em qualquer coisa como ir apanhar um tipo pequenino chamado Cuchulainn. Tenho a certeza que já não se demora”. “Eu sou Cuchulainn” – rosnou o gigante. “Há séculos que tento apanhar o seu marido, mas ele consegue sempre escapar”. “Ah, então o senhor é Cuchulainn” – disse Oona. “Bom, ainda vai a tempo de fugir antes que Fionn chegue a casa”. “Eu fugir dele!” – gritou Cuchulainn. “É sempre ele que foge de mim!” “Creio que está enganado” – disse Oona. “Já viu o meu marido? É tão forte como uma rocha e tão rápido como o vento”. Ela sorriu. “Ah, e já agora, pode, por favor, dar uma volta à casa? O vento está a mudar”. “Dar uma volta à casa!” – exclamou Cuchulainn. “É o que Fionn faz quando o vento sopra de leste” – disse Oona. Cuchulainn foi lá para fora e abanou a cabeça várias vezes; depois estalou o dedo do meio da mão direita três vezes. Em seguida, pegou na casa pelo meio e deu-lhe uma volta. Lá dentro, os dentes de Fionn bateram com o medo, mas Oona mandou-o calar e quando Cuchulainn voltou para dentro agradeceu-lhe como se ele tivesse feito a coisa mais natural do mundo. Depois ela disse: “O tempo está tão seco e eu estou sempre a precisar de água. Pode ir encher esta vasilha por mim? Depois podemos tomar chá enquanto espera a chegada de Fionn”. “Onde posso ir buscar água por aqui?” – perguntou Cuchulainn. Oona apontou para um monte vizinho. “Está a ver aquela pedra no topo daquela colina? Sempre que precisamos de água Fionn vai lá, tira aquela pequena pedra do chão e enche a vasilha no rio que corre por baixo. Obedientemente, Cuchulainn saiu e subiu ao monte. Quando chegou ao topo viu que a pedra era três vezes mais alta do que ele e que devia pesar várias toneladas. Fazendo estalar o dedo do meio da mão direita nove vezes, pôs os braços em torno da pedra e levantou-a de uma só vez do chão. Um rio jorrou do buraco e correu montanha abaixo. Em pouco tempo Cuchulainn tinha a vasilha cheia de água. Oona fez um grande bule de chá e ofereceu a Cuchulainn um dos bolos especiais onde tinha escondido uma pedra. O gigante deu uma dentada e berrou. Cuspiu um enorme dente. “Que tipo de bolo é este?” – gritou. “É duro como uma pedra”. “É o bolo preferido de Fionn” – disse Oona. “Até o bebé adora. Mas talvez seja demais para si. Tome, experimente este, é um pouco mais macio”. E deu-lhe outro dos bolos com pedra. Cuchulainn deu uma enorme dentada e no meio de um uivo de dor cuspiu dois dentes. “Shhhh, não faça barulho” – disse Oona. “Vai acordar o bebé”. Naquele momento Fionn chuchou no polegar e imediatamente soube o que Oona queria que ele fizesse. Deu o berro mais alto que alguma vez se tinha ouvido por aquelas bandas da Irlanda. Cuchulainn deu um pulo e tapou os ouvidos com as mãos. “Meu Deus, esse bebé tem uns grandes pulmões” – disse ele. “Oh, devia ouvir o pai dele” – disse Oona. “Quando grita, ouve-se em África”. Cuchulainn começou a sentir-se desconfortável. Quando mais ouvia falar de Fionn mac Cool, menos gostava do que ouvia. Naquele momento, Fionn, que voltara a chuchar no dedo, abriu a boca toda e gritou com toda a força: “BOLO!” “Pronto, pronto” – disse Oona, e deu-lhe um bolo da prateleira de cima. “Come isto”. Cuchulainn olhava horrorizado enquanto o bebé comia o bolo todo até à última migalha. “Acho que está na altura de me ir embora” – disse ele. “Diga ao seu marido que tenho pena não o ter visto e parabéns aos dois pelo lindo bebé”. “Oh, é uma criança maravilhosa” – disse Oona. “Venha ver”. Oona puxou o cobertor para trás e Fionn gritou e deu pontapés no ar com toda a força. “Que ricas pernas tem” – disse Cuchulainn. “Sim, e os dentes estão a romper como deve ser” – disse Oona. “Ponha o dedo para os sentir”. Achando que lhe ia agradar e que depois se punha a andar dali para fora antes que o terrível marido chegasse, Cuchulainn pôs a mão na boca do bebé. Rápido como um relâmpago, Fionn mordeu o dedo do meio. Cuchulainn gritou tão alto que se ouviu em Timbuktu. Depois, à medida que a sua força se começou a esvair, ele foi ficando cada vez mais pequeno. Encolheu até ficar mais pequeno que os bolos feitos por Oona. Fionn e a mulher olharam para o pequeno gigante e sorriram. Cuchulainn deitou-lhes uma olhadela e saiu da casa a correr, fugindo montanha abaixo. O que lhe aconteceu a seguir não sei, porque nunca mais ninguém o viu nem ouviu falar dele na Irlanda. Quanto a Fionn mac Cool, ele agradeceu à sua esperta mulher e comeu outro dos seus óptimos bolos.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

as 3 velhas

Era uma vez três irmãs, jovens todas elas: uma tinha sessenta e sete anos, a outra setenta e cinco anos e a terceira noventa e quatro. Estas raparigas tinham uma casa com um belo terraço, e este terraço no meio tinha um buraco, para se ver quem passava na rua. A de noventa e quatro ano viu passar um belo jovem. Imediatamente, pegou no seu lencinho mais fino e perfumado e quando o jovem passava por baixo do terraço deixou-o cair. O jovem apanhou o lencinho, sentiu aquele odor suave e pensou: «Deve ser uma belíssima donzela.» Deu uns passos, depois tornou atrás, e tocou à campainha daquela casa. Veio abrir uma das três irmãs, e o jovem perguntou-lhe: -Por favor, há uma rapariga neste palácio? -Sim, senhor, e não uma só. -Faça-me um favor: eu gostava de ver a que perdeu este lencinho. -Não, sabe, não é permitido – respondeu aquela. – Neste palácio é costume que enquanto uma rapariga não se casa, não se pode ver. O jovem já estava de cabeça tão perdida imaginando a beleza desta rapariga, que disse: -Sendo assim, basta. Desposá-la-ei mesmo sem a ver. Agora vou dizer à minha mãe que encontrei uma belíssima jovem e que quero casar-me com ela. Foi a casa, e contou tudo à mãe, que lhe disse: -Querido filho, tem cuidado com o que fazes, que não estejam a enganar-te. Antes de fazeres uma coisa dessas tens de pensar muito bem. E ele: -Sendo assim, basta. Palavra de rei não volta atrás. – Porque aquele jovem era um rei. Volta a casa da noiva, toca à campainha e entra. Vem a velha do costume e pergunta-lhe: -Diga-me, por favor, é avó dela? -Eh, sim, eh, sim, avó dela. -Então se é a sua avó, faça-me este favor: mostre-me ao menos um dedo dessa rapariga. -Po agora não. Tem de vir amanhã. O jovem despediu-se e foi-se embora. Mas ele saiu, as velhas fabricaram um dedo falso, com um dedo de luva e uma unha postiça. Entretanto ele com o desejo de ver este dedo, não conseguiu dormir toda a noite. Veio o dia, vestiu-se, e correu à casa. -Senhora – disse à velha -, aqui estou; vim ver o dedo da minha noiva. -Sim, sim – disse ela - é para já, é para já. Vê-lo-á pelo buraco da fechadura desta porta. E a noiva pôs o falso dedo pelo buraco da fechadura. O jovem viu que era um belíssimo dedo; deu-lhe um beijo e pôs-lhe um anel de diamantes. Depois, apaixonado furioso, disse à velha: -Saiba, avozinha, que eu quero casar-me quanto antes, não posso esperar mais. E ela: -Já amanhã, se quiser. -Muito bem. Caso-me amanhã, palavra de rei. – Ricos como eram, podiam mandar preparar a boda de um dia para o outro, porque não lhes faltava nada; e no dia seguinte a noiva estava a arranjar-se ajudada pelas suas irmãzinhas. Chegou o rei e disse: -Avozinha, cá estou. -Espere aqui um momento, que já lha levamos. – E as duas velhas vieram segurando pelos braço a terceira, coberta de sete véus. -Recorde-se bem – disseram ao noivo – que enquanto não estiverem no quarto nupcial, não é permitido vê-la. – Foram à Igreja e casaram-se. Depois o rei quis que fossem almoçar, mas as velhas não permitiram. -Sabe, a noiva não está habituada a estas coisas. – E o rei teve de se calar. Estava ansioso por que chegasse a noite, para ficar sozinho com a noiva. Mas as velhas acompanharam a noiva ao quarto e não o deixaram entrar porque tinham de despi-la e metê-la na cama. Por fim ele entrou, sempre com as duas velhas atrás, e a noiva estava debaixo dos cobertores. Ele despiu-se e as velhas foram-se embora levando-lhe a luz. Mas ele trouxera consigo uma vela, acendeu-a e quem se deparou à sua frente? Uma velha decrépita e toda encarquilhada. Primeiro ficou imóvel e sem palavras com o susto, depois deu-lhe uma raiva, uma raiva tão grande que pegou na noiva com violência, levantando-a nos ares, e fazendo-a voar pela janela. Por baixo da janela havia uma latada de vidreira. A velha furou a latada e ficou pendurada num pau por uma ponta da camisa de noite. Nessa noite três fadas andavam a passear pelos jardins: passando por baixo da latada viram a velha a baloiçar. Àquele espectáculo inesperado, as três fadas desataram a rir, a rir, a rir, que no fim até lhes doíam os flancos. Mas depois de se fartarem de rir a bom rir, uma delas disse: -Agora que nos rimos tanto à custa dela, temos de lhe dar uma recompensa. E uma das fadas disse: -Claro que damos. Ordeno que a te tornes a mais bela jovem que se possa ver com os dois olhos. -Ordeno, ordeno – disse outra fada – que tenhas um belíssimo marido que te ame e adore. -Ordeno, ordeno – disse a terceira – que sejas grande dama durante toda a vida. E as três fadas foram-se embora. Assim que nasceu o dia, o rei acordou e lembrou-se de tudo. Para se certificar de que não tinha sido tudo um mau sonho, abriu as janelas para ver aquele monstro que tinha atirado lá para baixo na véspera. E eis que vê, pousada na latada, uma belíssima jovem. Levou as mãos aos cabelos. -Pobre de mim, o que fiz eu! – Não sabia como podia puxá-la para cima; por fim tirou um lençol da cama, lançou-lhe uma ponta para ela se agarrar, e puxou-a para o quarto. Quando ela chegou ao pé dele. Feliz e ao mesmo tempo cheio de remorsos, começou a pedir-lhe perdão. A noiva perdoou-lhe e assim ficaram bem um com outro. Passado um pouco ouviu-se bater à porta. É a avó – disse o rei. – Entre, entre! A velha entrou e viu na cama, em vez da irmã de noventa e quatro anos, aquela belíssima jovem. E esta belíssima jovem, como se nada tivesse acontecido, disse-lhe: -Clementina, traz-me café. A velha pôs uma mão na boca para sufocar o grito de espanto; fingiu que não era nada e levou-lhe o café. Mas assim que o rei saiu para os seus afazeres, correu para a noiva e perguntou-lhe: - Mas como, como é que te tornaste assim tão jovem? E a noiva: -Cala-te, cala-te, por favor! Se soubesses o que eu fiz! Mandei aplainar-me. -Foi o carpinteiro. A velha correu ao carpinteiro. -Carpinteiro, dais- me uma aplainadela? E o carpinteiro: -Oh, raios, é verdade que você está seca como uma tábua, mas se a aplaino vai logo para o outro mundo. -Não vos raleis com isso, já disse. Dou-vos um talher de ouro. Quando ouviu dizer «talher de ouro» o carpinteiro mudou de ideias. Guardou o talher e disse: -Deite-se aqui na bancada que lhe dou as aplainadelas que quiser. -E começou a aplainar-lhe uma maxila. A velha lançou um grito Então como é, se grita não se faz nada. Ela virou-se para o outro lado, e o carpinteiro aplainou-lhe a outra maxila. Da velha já não se faz nada. Da outra não se sabe onde foi parar. Se morreu afogada, esganada, morta na sua cama ou sabe-se lá onde: não se conseguiu saber. E a noiva ficou sozinha em casa com o jovem rei e foram sempre felizes.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

As 3 laranjas mágicas

Era uma vez um velho rei que, decidiu que era a hora do seu filho casar. Para escolher a felizarda, convidou várias princesas, muitas delas vindas de muito longe, para participarem na festa. Mas, mesmo com várias pretendentes, o príncipe não gostou de nenhuma. Para resolver a situação, decidiu que seria melhor ele próprio procurar uma esposa, mas sózinho. Assim, o príncipe montou o seu cavalo e partiu, rumo ao desconhecido. Um certo dia, chegou a uma floresta e, na entrada da mesma havia uma laranjeira: • Ah!!! Esta laranjeira tem três magníficas laranjas de ouro! Vou colhê-las. – declarou o príncipe, seguindo o seu caminho. Mais tarde, com o grande calor que fazia, o príncipe teve sede: - Vou abrir uma das laranjas, para ver se fico melhor. - E assim fez - Que maravilha, é uma delícia! Entretanto, da laranja saiu uma bela donzela, com os olhos da cor do céu, e cabelos da cor do sol. - Dá-me um golo de água, por favor! - rogou a rapariga ao príncipe. - Infelizmente, não tenho água para te dar! - respondeu ele, encantado com a visão dela. Com esta resposta, ela desapareceu tal como tinha vindo. O príncipe continuou a sua jornada mas, o calor aumentava à medida que caminhava. - Estou de novo cheio de sede, por isso vou abrir a segunda laranja! Ao abrir a segunda laranja, sai outra donzela, esta com os olhos da cor dum lago, e o cabelo vermelho, como uma cereja: - Peço-te por tudo, dá-me água! - implorou a rapariga. - Desculpa, mas não tenho! Afinal, quem és tu? - perguntou o príncipe, mas ela já tinha desaparecido. Por fim, ele chegou a uma fonte onde conseguiu saciar, toda a sua sede. Agora, estava era com fome: - Vou abrir a última laranja, e vamos lá a ver o que acontece! Tal como das outras vezes, também desta laranja saiu uma donzela, com os olhos e cabelos negros como as asas dum corvo, e a pele branca como a neve: - Dá-me água! - suplicou a rapariga. - Agora, já posso satisfazer o teu pedido! - respondeu o príncipe, enquanto mergulhava as mãos, em forma de concha, na água da fonte. Aproximou-se da donzela e deu-lhe a água, para beber. E, assim se quebrou o feitiço de uma bruxa que, tinha encarcerado a rapariga, nas laranjas mágicas. O príncipe, encantado com ela, levou-a para o seu castelo, onde os dois se casaram, e viviam muito felizes. Algum tempo depois, a bruxa descobriu que a menina tinha sido libertada e, ficou furiosa. Decidiu então disfarçar-se de vendedora, e foi até ao castelo: - Ganchos para o cabelo! Quem quer comprar estes belos ganchos? A menina, já rainha, pediu à velhota para entrar: - Faça favor! Que ganchos tão bonitos…Quero este que, tem uma pérola na ponta. - Deixe-me ser eu a pô-lo no seu cabelo! - pediu a bruxa manhosa. A rainha inclinou-se e ela espetou-lhe o gancho na cabeça, transformando-a numa pomba branca. A rainha voou, voou, até chegar à floresta onde, o seu marido estava a caçar. - Que bela pomba! Vou apanhá-la para a dar à minha esposa de presente. - disse ele, sem saber que a pomba era a sua própria rainha. Quando chegou a casa, o príncipe teve um enorme desgosto ao ver que, a sua mulher não estava em casa. E os meses passaram e, ela não regressava. O único consolo dele, era a pequena pomba branca que, nunca o abandonava. Um dia, ao acariciar a cabeça da pomba, ele sentiu a pérola que enfeitava o gancho: - Quem seria capaz desta crueldade? Vou tirar isto, para ela não se magoar. Ao puxar o gancho… Aconteceu um milagre!!! A pomba transformou-se, na sua bela esposa. - Meu amor, estava com tantas saudades tuas! O que foi que aconteceu? - perguntou o príncipe, muito emocionado com a volta da sua amada. Depois de todas as explicações, ficou furioso e, mandou os seus soldados irem buscar a maldita bruxa, à sua presença. No entanto, isso não foi preciso, pois a velha já tinha morrido, atraiçoada pelos seus próprios feitiços. E assim, o rei e a bela rainha viveram felizes para sempre...

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Lenda do negrinho do pastoreio

É uma lenda popular principalmente no sul do Brasil. Nos tempos da escravidão no Brasil, havia um fazendeiro malvado que tinha em sua fazenda escravos negros de várias idades, inclusive crianças. Num dia de inverno rigoroso o fazendeiro mandou que um menino escravo fosse pastorear seus cavalos e potros novos. Ao entardecer quando o menino voltou com os cavalos o fazendeiro reclamou que faltava um, um cavalo baio. Como castigo chicoteou o menino até sangrar e mandou o menino procurar o cavalo. Apavorado o menino foi a procura do cavalo baio. Quando finalmente o encontrou não conseguiu prendê-lo. Ao retornar à fazenda, o menino encontrou o fazendeiro ainda mais irritado. Este resolveu castigá-lo novamente, chicoteou o garoto e o amarou em cima de um formigueiro. No dia seguinte o fazendeiro retornou ao local e se assustou com o que viu: o menino estava lá, de pé, sem nenhuma marca de chicotada, nem mordida de formigas. Ao lado dele a Virgem Maria e próximo a eles o cavalo baio. O fazendeiro se ajoelhou pedindo perdão. O Menino nada respondeu, beijou as mãos da Nossa Senhora, montou no cavalo baio e partiu a galope.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A Lenda da princesa Europa

Europa era uma linda princesa fenícia. Como ainda não chegara à idade de casar, vivia com os pais num magnífico palácio e tinha por hábito dar longos passeios com as amigas nos prados e nos bosques. Certo dia quando apanhava flores junto da foz de um rio foi avistada por Zeus (o deus supremo) que se debruçava lá do Olimpo observando os mortais. Fascinado com tanta formosura, decidiu raptá-la. Para evitar a fúria da sua ciumentíssima mulher, quis disfarçar-se. Nada mais fácil para quem tem poderes sobre naturais! Tomou a forma de um touro. Um belo touro castanho com um círculo prateado a enfeitar a testa. Desceu então ao prado e deitou-se aos pés da Europa. Ela ficou encantada por ver ali um animal tão manso, de pelo sedoso e olhar meigo. Primeiro afagou-o, depois sentou-se-lhe no dorso e... o touro disparou de imediato a voar por cima do oceano. A pobre princesa ficou assustadíssima. Mas não tardou a perceber que o raptor só podia ser um deus disfarçado, pois entre as ondas emergiam peixes, tritões e sereias a acenar-lhes. Até Posídon apareceu agitando o seu tridente. Muito chorosa, Europa implorou que não a abandonasse num lugar ermo. Zeus consolou-a, mostrou-se carinhoso, prometeu levá-la para um sítio lindo que ele conhecia fora da Ásia. Prometeu e cumpriu. Instalaram-se na ilha de Creta e tiveram três filhos que vieram a ser famosos. Agora o nome da princesa é que ficou famosíssimo! Agradou a poetas da Grécia Antiga que passaram a chamar Europa aos territórios para lá da Grécia. E agradou ao historiador Hérodoto, que no séc. V a.C foi o primeiro a chamar Europa a todo o continente. Autor: in A Europa dá as Mãos, Ana Maria Magalhães/Isabel Alçada Fonte: Edição: Centro de Informação Europeia Jacques Delors, 1995.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

comunicação

“Havia um cego que pedia esmola à entrada do Viaduto do Chá, em São Paulo. Todos os dias passava por ele, de manhã e à noite, um publicitário que deixava sempre alguns centavos no chapéu do pedinte. O cego trazia pendurado no pescoço um cartaz com a frase: ”Cego de nascimento. Uma esmola, por favor”. Certa manhã, o publicitário teve uma idéia: virou o letreiro do cego ao contrário e escreveu outra frase. À noite, depois de um dia de trabalho, perguntou ao cego como é que tinha sido seu dia. O cego respondeu, muito contente: – Até parece mentira, mas hoje foi um dia extraordinário! Todos que passavam por mim, deixavam alguma coisa. Afinal, o que é que o senhor escreveu no letreiro? O publicitário havia escrito uma frase breve, mas com sentido e carga emotiva suficientes para convencer os que passavam a deixarem algo para o cego. A frase era: “Em breve chegará a primavera e eu não poderei vê-la”. Na maioria das vezes não importa O QUE você diz, mas COMO você diz

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Oásis

Conta uma popular lenda do Oriente que um jovem chegou à beira de um oásis junto a um povoado e, aproximando-se de um velho, perguntou-lhe: – Que tipo de pessoa vive neste lugar ? – Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem ? – perguntou por sua vez o ancião. – Oh, um grupo de egoístas e malvados – replicou o rapaz – estou satisfeito de haver saído de lá. – A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui –replicou o velho. No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo o ancião perguntou-lhe: – Que tipo de pessoa vive por aqui? O velho respondeu com a mesma pergunta: – Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem? O rapaz respondeu: – Um magnífico grupo de pessoas, amigas, honestas, hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las. – O mesmo encontrará por aqui – respondeu o ancião. Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho: – Como é possível dar respostas tão diferente à mesma pergunta? Ao que o velho respondeu : – Cada um carrega no seu coração o ambiente em que vive. Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não poderá encontrar outra coisa por aqui. Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui, porque, na verdade, a nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos manter controle absoluto.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

BARATA

     Era uma vez uma barata que estava sempre a falar, a falar. Falava por tudo e por nada: era uma fala-barata. Um dia estava à conversa com uma aranha e disse: "Hoje está um dia esplêndido!". Uma formiga que ia a passar, comentou: "Ó barata, hoje estás a falar caro!".
     Ela não ligou nenhuma. E continuou. A falar barato.

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

domingo, 12 de fevereiro de 2017

TRAÇA

     Era uma vez uma traça. E ainda é, por acaso. Mas isso é porque eu tenho muita paciência. Conheci-a num lenço branco que eu tinha: andava ela a traçá-lo. Ia assoar-me e vi-a. Antes que eu pudesse falar, pediu-me com aquela vozita doce das traças: "Mostra-me um traço". Fui buscar um lápis e fiz os traços todos que sabia: largos, estreitos, curtos, compridos, tracinhos, travessões, tracejado, tudo. "Ai os traços são isso?"- disse a traça com ar de troça. E acrescentou, com desdém: "Não gosto!".
     Doutra vez apareceu-me com uma folha de papel e um ar de bicho muito importante. "O que é isso?"- perguntei desconfiado. "Versos, meu caro, versos. Dediquei-me à poesia. Queres ouvir uma quadra?" Eu disse que sim e ela disse. Era assim:

     NUM Á COISA CUM MAIS GRAÇA
     CUMA TRAÇA PEQUENINA
     CANDO ELA PAÇA INTÉ TREMEM
     AS BOLAS DE NAFETALINA

     Depois mostrou-me o papel com a quadra escrita à mão. "É bonita", disse eu, "mas olha que tem alguns erros. Por exemplo, paça é com dois esses: passa" "Qual quê!", disse ela muito ofendida, "isso é se for uma Prassa, assim como Prassa da Liberdade ou Prassa da República". Eu nem tive coragem de continuar. Ela é que teve: "Vinhas agora tu ensinar-me a gramática... fica sabendo que antes de andar a traçar a tua roupa já tracei muitos dicionários".
     Ao tempo que tudo isto se passou e não voltou a falar-me. E ainda ontem encontrei a minha camisa preferida com um buraco enorme. Cá para mim foi ela, só para me arreliar. é preciso ter uma paciência...
Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Lenda dos Corredores de Fado Antigamente, diz a lenda, que os pais que tivessem sete rapazes ou sete raparigas todos seguidos, o mais velho tinha de ser padrinho do mais novo, se não o mais novo ia "correr o fado", ou seja, à meia-noite ele ou ela transformava-se num animal. Depois, quando chegava à porta de uma pessoa que sabia que ia aparecer o "corredor", ele ou ela (corredor) ia espreitar pela fechadura da porta. O dono da casa já tinha em seu poder um objecto para o picar. Consta que uma vez, um "corredor" foi picado na vista, depois, quando acabou o "fado" e se transformou novamente na pessoa que era, verificou que estava cego dessa vista e foi agradecer à pessoa que lhe quebrou o "fado". Escola de Caxinas - Vila do Conde A recolha desta lenda da tradição oral da nossa localidade foi feita por Miguel da Cruz Dourado e Daniel Filipe Passos Dourado Alunos da Professora Conceição Ferreira

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

PULGA

     Era uma vez uma pulga que eu tinha, a qual, por acaso, também tinha uma pulga que, por sua vez, tinha outra pulga. Parece que esta última ao princípio não tinha, mas depois também apanhou uma pulga.
     A verdade é que quando eu coçava a minha pulga, a pulga coçava também a pulga dela. E a pulga da pulga também. E a pulga da pulga da pulga também. E a pulga da pulga da pulga da pulga também. E...

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"
   

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

BICHO-CARPINTEIRO

     Era uma vez um bicho-carpinteiro, ou antes, dois bichos-carpinteiros (um bicho e uma bicha, ambos carpinteiros) que se conheceram e passaram a viver juntos.  Algum tempo depois, havia bichinhos-carpinteiros por toda a casa. Para conseguirem tratar deles, andavam sempre muito atarefados, a correrem de um lado para o outro. As pessoas diziam: "Estes parece que têm bichos-carpinteiros." E tinham!
     Era uma vez outro bicho-carpinteiro que, por acaso, não tinha jeito para ser ele, para ser bicho-carpinteiro. Mal sabia pregar um prego. Uma vez fez uma porta e quando tentou vendê-la a uma pessoa, esta disse: "Desculpe, mas de momento não estou a precisar de uma janela". E outra: "Ora essa! Para que quero eu uma cadeira sem pernas?".
     O bicho-carpinteiro, coitado, já não comia, já não dormia...
     Então o pai dele disse. "O meu filho vai mas é ser outra coisa, o que ele quiser". E ele lá foi. Agora já é. Quando os bichos-carpinteiros adoecem ou se magoam, vão lá a casa e ele dá-lhes sempre o remédio certo, faz uns pensos que só visto. É um bicho-enfermeiro.

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

domingo, 5 de fevereiro de 2017

CENTOPEIA

     Era uma vez uma centopeia muito simpática que eu conheci nas férias da Páscoa. Convidei-a várias vezes para jantar mas ela nunca aparecia. Quando acabava de apertar os cordões do centésimo sapato do centésimo pé, já eram horas de começar a desapertar os do primeiro para se ir deitar.
     Um problema! Quando calçava só cinquenta sapatos tinha tempo de sair para tomar um café ou um sorvete, mas nesses casos, como ela mesmo dizia, lamentando-se, não passava de uma cinquentopeia.
     Uma vez passei por ele na rua e era uma quarenta-e-setepeia. Ia tão envergonhada que eu fiz de conta que não a vi.

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

sábado, 4 de fevereiro de 2017

JOANINHA

     Era uma vez uma joana vermelha com pintinhas pretas. Por baixo deste vestido lindo, duas pequenas asas pretas, descansando. Ainda era pequena e, por isso, era uma joana muito joaninha. Também há Joanas que são meninas e enquanto são pequenas também são joaninhas, mas raramente são vermelhas com pintinhas pretas. Quanto às asas já não se pode dizer o mesmo, pois todas as crianças têm asas, embora não se saiba.
     É frequente uma joaninha destas encontrar uma joaninha das outras. Então, baixa-se o mais que pode e diz-lhe: "Joaninha voa, voa, que o teu pai foi para Lisboa!". A joaninha ouve e, às vezes, voa mesmo. Mas nem sempre vai para Lisboa, fica-se mesmo pelo pezinho de erva mais próximo. O mundo é demasiado grande para uma joaninha e Lisboa uma cidade muito suja e muito triste.

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ESCARAVELHO

     Era uma vez um escaravelho que ficava muito zangado sempre que eu o encontrava e lhe dizia: "Olá, escaravelho!". Eu não sabia porquê e só passado muito tempo é que ele me explicou:
     - Sabes, como sou ainda muito novo (ainda nem fiz um ano), acho um disparate que me chamem escaravelho.
     E eu logo:
     - Até amanhã, escaranovo!

     Era uma vez outro escaravelho que eu encontrei a seguir.
     - Bom dia, escaranovo! - disse eu.
     Ele ficou muito admirado a olhar para mim e eu pensei: "Este deve ser mesmo velho" e emendei com um sorriso:
     - Bom dia, escaravelho!
     Então é que ele ficou arreliado. Olhou-me bem de frente e disse:
     - Fique sabendo, caro senhor, que o meu nome é Alfredo.
     Depois, virou-me as costas com o maior desprezo e foi-se embora.
     Os escaravelhos são assim.

Álvaro Magalhães, "Histórias pequenas de bichos pequenos"

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Lenda da moira Zaida

Na serra de Sintra, perto do Castelo dos Mouros, existe uma rocha com um corte que a tradição diz marcar a entrada para uma cova que tem comunicação com o castelo. É conhecida pela Cova da Moura ou a Cova Encantada e está ligada a uma lenda do tempo em que os Mouros dominavam Sintra e os cristãos nela faziam frequentes incursões. Num dos combates, foi feito prisioneiro um cavaleiro nobre por quem Zaida, a filha do alcaide, se apaixonou. Dia após dia, Zaida visitava o nobre cavaleiro até que chegou a hora da sua libertação, através do pagamento de um resgate. O cavaleiro apaixonado pediu a Zaida para fugir com ele mas Zaida recusou, pedindo-lhe para nunca mais a esquecer. O nobre cavaleiro voltou para a sua família mas uma grande tristeza ensombrava os seus dias. Tentou esquecer Zaida nos campos de batalha, mas após muitas noites de insónia decidiu atacar de novo o castelo de Sintra. Foi durante esse combate que os dois enamorados se abraçaram, mas a sorte ou o azar quis que o nobre cavaleiro tombasse ferido. Zaida arrastou o seu amado, através de uma passagem secreta, até uma sala escondida nas grutas e, enquanto enchia uma bilha de água numa nascente próxima para levar ao seu amado, foi atingida por uma seta e caiu ferida. O cavaleiro cristão juntou-se ao corpo da sua amada e os dois sangues misturaram-se, sendo ambos encontrados mais tarde já sem vida. Desde então, em certas noites de luar, aparece junto à cova uma formosa donzela vestida de branco com uma bilha que enche de água para depois desaparecer na noite após um doloroso gemido…

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Revolução

Manhãzinha cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher: - 0 Fafe telefonou de Cascais, ... Lisboa está cercada por tropas… Refilo, rabugento: - Hã? (...) Levanto-me preparado para o pesadelo de ouvir tombar pedras sobre cadáveres. Espreito através da janela. Pouca gente na rua. Apressada. Tento sintonizar a estação da Emissora Nacional. Nem um som. Em compensação o telefone vinga-se desesperadamente. Um polvo de pânico desdobra-se pelos fios. A campainha toca cada vez mais forte. Agora é o Carlos de Oliveira. - Está lá? Está lá? É você, Carlos? Que se passa? Responde-me com uma pergunta qualquer do avesso. Às oito da manhã o Rádio Clube emite um comunicado ainda pouco claro: - Aqui, Posto de Comando das Forças Armadas. Não queremos derramar a mínima gota de sangue. De novo o silêncio. Opressivo. De bocejo. Inútil. A olhar para o aparelho. Custa-me a compreender que se trate de revolução. Falta-lhe o ruído, (onde acontecerá o espectáculo?), o drama, o grito. Que chatice! A Rosália chama-me, nervosa: - Outro comunicado na Rádio. Vem, depressa. Corro e ouço: - Aqui o Movimento das Forças Armadas que resolveu libertar a Nação das forças que há muito a dominavam. Viva Portugal! Também pede à policia que não resista. Mas Senhor dos Abismos!, trata-se de um golpe contra o fascismo (isto é: salazismo-caetanismo). São dez e meia e não acredito que os «ultras» não se mexam, não contra-ataquem! (...) A poetisa Maria Amélia Neto telefona-me: «Não resisti e vim para o escritório». Os revoltosos estão a conferenciar com o ministro do Exército. Na Rádio a canção do Zeca Afonso: Grândola, vila morena ... Terra da fraternidade... 0 povo é quem mais ordena... Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas. De súbito, aliás, a Rádio abre-se em notícias. 0 Marcelo está preso no Quartel do Carmo. A polícia e a Guarda Republicana renderam-se. 0 Tomás está cercado noutro quartel qualquer. E, pela primeira vez, aparece o nome do General Spínola. Novo comunicado das Forças Armadas. 0 Marcelo ter-se-á rendido ao ex-governador da Guiné. (Lembro-me do Salazar: «o poder não pode cair na rua»). Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! acabou-se finalmente este tenebroso e ridículo regime de sinistros Conselheiros Acácios de fumo que nos sufocou durante anos e anos de mordaças. Acabou-se. Vai recomeçar tudo. A Maria Keil telefonou. 0 Chico está doente e sozinho em casa. Chora. (Nesta revolução as lágrimas são as nossas balas. Mas eu vi, eu vi, eu vi! (...) Antes de morrer, a televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da História deste povo, onde os militares fazem revoluções para lhes restituir a liberdade: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias. Espectáculo de viril doçura cívica em que os presos... alguns torturados durante dias e noites sem fim.... não pronunciaram uma palavra de ódio ou de paixões de vingança. E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. (...) Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se a mim aos beijos. Revolução. José Gomes Ferreira Poeta Militante III - Viagem do Século Vinte em mim, Lisboa, Moraes Editores, 1983

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Era uma vez... uma princesa

Era uma vez, há muito tempo atrás, um lugar muito especial onde uma menina muito especial morava. A menina era uma princesa que vivia sozinha no seu doirado palácio. Ela tinha um reino muito bonito com muitas flores, frutas doces, árvores que mudavam de cor a cada estação, campos ricos e férteis e animais diferentes e interessantes. As pessoas nesse lugar eram felizes e amavam a sua princesa. Mas a princesa não estava feliz ... ela queria ver o mundo, sonhava com lugares distantes do seu reino tão quente e seguro. Então, um dia, resolvei viajar. A princesa caminhou, caminhou.... O tempo passava lentamente. Ao final do dia, parou para comer. Ela era uma linda princesa, amada e cuidada por todos em seu reino, mas sabia ser cautelosa e sabia coisas sobre a vida. Assim tinha-se preparado para a viagem com água, pão e queijo. Enquanto comia lentamente percebeu que se sentia triste e fria. Sinto solidão! Era a primeira vez que tinha esse sentimento. Como podia ser? -Sou uma princesa amada e todo mundo gosta de mim. Como posso sentir que estou sozinha? Finalmente estava fazendo o que tinha sonhado por muito tempo: ter a oportunidade de conhecer e experimentar o mundo. Esperava que tal lhe trouxesse muita felicidade, mas encontrou um doce sentimento de saudade (é uma palavra portuguesa para o sentimento de esperança à mistura com memórias). Na verdade, ela gostou da sensação, doeu um pouco, mas era tão doce e quente! Então guardou este sentimento dentro do seu coração e deitou-se para dormir. Quando acordou estava uma bela manhã de sol brilhante e voltou ao seu caminho. Caminhando chegou a uma cidade. As pessoas passavam apressadas e trabalhando. Era uma cidade movimentada. Apesar de saber que não deveria falar com estranhos (alguém que a amava a tinha aconselhado), aproximou-se de um homem que estava a construir algum tipo de instrumento útil (ela admirava as pessoas que trabalham duro e com as próprias mãos). O homem não lhe prestou muita atenção o que a feriu um pouco. Estava acostumada a ser o centro de toda a atenção e disse-o ao homem. Ele espantou-se e olhando surpreso perguntou: -Porquê? Você não é especial! -Eu não sou especial!?! Mas ... eu sou uma bela princesa! -Como!!? Você não é bonita aos meus olhos! Você é uma jovem comum, parece-se com a maioria das jovens desta cidade, não é diferente delas! - Mas meu cabelo é amarelo e brilhante como o sol e meus olhos são azuis como o céu e o mar! - Oh, Oh, riu o homem. Parece que você é uma jovem muito inchada e vaidosa e isso não é bom. Se quiser ver a beleza verdadeira vá visitar a nossa princesa amada. Ela é a menina mais maravilhosa do mundo! Os seus olhos são negros e conseguem olhar profundamente dentro de si; o seu cabelo é castanho escuro e brilhante e tem todos os cheiros bons da terra. Suas mãos morenas e dão magia a tudo que faz ... O homem parou de falar, o olhar perdido, pensando talvez. A princesa espantada foi-se embora. Ela tinha aprendido que a beleza não é algo absoluto ou objectivo e sentiu um pouco de pena de si mesma. Caminhou e caminhou... Ás tantas alcançou uma região montanhosa. Do topo de algumas colinas as vistas eram maravilhosas: campos de todas as cores. Adorava especialmente os verdes, a erva ondulando como ondas, suavemente empurradas pelo vento. AO longe avistou um castelo. Era um castelo muito antigo feito de pedra. Era um edifício impressionante e a princesa pensou que gostaria de conhecer os que lá morariam. No caminho para o castelo cruzou-se com um pastor que estava a guardar as suas ovelhas brancas. Gostpou da sua maneira de olhar e se mover, tão calma, tão fácil, tão leve, e resolveu conversar com ele. O pastor disponibilizou-se a ajudá-la a encontrar o dono do velho castelo, mas aconselhou-a a ser submissa na frente do mesmo pois, apesar de ser um bom rei, era muito rígido, gostava de regras e precisava de sentir o seu poder e autoridade. - Mas eu sou uma princesa! Eu tenho o meu próprio reino. Sou igual a ele! - Bem, Vossa Alteza me perdoe - disse o pastor com uma pequena reverência. Eu nunca diria que é uma princesa, não depois de ter visto vossa alteza a olhar para mim. -Porquê? - perguntou a princesa - Meu Senhor nunca olha para os seus súbditos olhos nos olhos! Meu Senhor olha sempre para a frente. Olhar directamente nos olhos é incomum para uma princesa, talvez não deva fazer isso. - E porque não? Perguntou a princesa - Eu realmente não sei dizer, mas fazendo isso você transforma-se numa simples mulher como as outras. - E porque sou uma princesa, não sou mais uma mulher? - Nunca pensei nisso. Meu Senhor e sua família estão muito longe de nós, seu povo, e eu nunca percebi bem se eles são humanos como nós. Falando assim chegaram ao castelo. A princesa entrou e conheceu o rei. O pastor voltou para suas ovelhas brancas. Mas saibam os leitores que , no caminho para o castelo a princesa e o pastor falaram sobre muitas outras coisas importantes na vida, especialmente sobre o céu, os pássaros, as flores, as árvores, o tempo. A princesa aprendeu muito sobre coisas que poderiam ajudar a melhorar a vida no seu reino o que a deixou muito feliz. Com o pastor partilhou momentos quase perfeitos. À noite, depois da reunião com o rei (foi uma reunião terrível pelo que não interessa manter na memória), a princesa voltou para o pastor. Estavam apaixonados.... Casaram-se, tiveram muitos filhos e viveram felizes para sempre? Não, isso não é a vida real. A princesa tinha o seu périplo para continuar... Assim na manhã seguinte, acenaram adeus, nada foi prometido, e cada um seguiu o seu próprio caminho. A princesa andou, andou, cheia de lembranças. No final do dia chegou ao mar. -O mar é o melhor amigo que se pode desejar, pensou a princesa. Com ele pode-se compartilhar tudo que se queira, sentimentos, pensamentos, sonhos. O mar ouve, fala, move-se, pode-se até mesmo deixá-lo beijar-nos e abraçar-nos sempre que se quiser. Podemos deixá-lo trazer-nos uma espuma suave de carinho. Como qualquer pessoa tem seus próprios estados de espírito e às vezes fica irritado, grita e ameaça bater. Outras vezes é como um bebê, alongando-se e movendo-se lentamente pedindo ternura. A princesa tentou adivinhar que países e pessoas viveriam do outro lado do oceano, lá longe. Caminhando viu uma pequena cidade de pescadores. -Ver todos os barcos ao longo do cais faz-me pensar sobre a vastidão do mundo, pensou a princesa. Cada barco carrega uma história pequena e carrega uma promessa de viagem, um sonho de um novo começo, a chegada a em algum lugar que podemos supor maravilhoso! Viu uma peixeira e perguntou-lhe sobre a terra do outro lado do oceano. - Eu realmente não sei, respondeu a mulher. Nunca cruzámos todo o mar. Nós apenas entramos no oceano, às vezes passamos alguns dias para encher nossos barcos, mas depois voltamos para as nossas famílias. É a nossa maneira de viver. - E nunca se perguntou sobre o outro lado? Não tem curiosidade de saber? - Não, de jeito nenhum! - disse a mulher. Estamos satisfeitos com o que temos aqui. Meus filhos estão crescendo bem, não têm fome nem doenças, o meu marido trata-me bem, e não desejo mais nada. A minha vida é abençoada, não acha? - Acho que sim - disse a princesa sorrindo para a mulher, e foi -se embora. A mulher continuou imóvel por um momento observando a princesa a afastar-se lentamente. Depois voltou para o seu trabalho com as redes de pesca pensando. Sobre o quê? Isso não sei dizer ... A princesa estava cansada e pensou que talvez a peixeira estivesse certa, deveríamos ficar felizes com tudo o que temos. E sentiu que era uma pessoa muito cheia de sorte. E assim, decidiu que era hora de voltar para o seu reino. No caminho de volta conheceu um homem que estava também viajando. - Quem é Você? perguntou-lhe - Sou um príncipe de um reino muito distante. - E O que está a fazer? - Estou viajando pelo mundo - Porquê? O príncipe ficou imóvel por um momento olhando para ela. - Eu realmente não sei ao certo, procurando acho eu. - Eu estou a voltar para a minha casa de uma viagem. Se quiser pode vir comigo - convidou a princesa. - Está bem, poque não? E assim viajaram juntos por sete dias e sete noites, sempre falando, compartilhando as suas experiências e sonhos. Quando chegaram ao reino da princesa todos ficaram felizes! A princesa amada e bela tinha voltado! Foi organizada uma festa com muitas flores, música maravilhosa e todos dançaram com alegria. As pessoas vieram de todos os lados em redor para compartilhar esta bonita felicidade! E esta história está quase a terminar. O príncipe e a princesa casaram-se, tiveram muitos filhos e ficaram felizes para sempre? Não, nunca é assim ... Na verdade, o príncipe e a princesa casaram-se sim, tiveram dois filhos, e todos no reino ficaram felizes com isso. Tal trouxe prosperidade a ambos os reinos que se uniram. Mas saibam os leitores que nunca prometeram amor para sempre um ao outro. O príncipe ainda está procurando, ninguém sabe o quê nem mesmo ele, e a princesa vai frequentemente ao topo das montanhas e por lá se senta, assistindo ao pôr do sol, observando os campos e pensando no pastor. E à noite olha o fogo da lareira e fica se perguntando quem viverá no Outro lado do oceano... Paula Almeida

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A gata e o sábio

O sábio de Bechmezzinn (aldeia situada no norte do Líbano) era muito rico. Dedicava o melhor do seu tempo ao estudo e a tratar os doentes que o procuravam. A sua fortuna permitia-lhe socorrer os infelizes e toda a gente dizia que ele era a dedicação em pessoa. Homem piedoso e recto, a injustiça revoltava-o. Muitas pessoas vinham consultá-lo quando tinham alguma divergência com vizinhos ou parentes. O sábio dava os melhores conselhos e desempenhava frequentemente o papel de mediador. Tinha uma gata a quem se dedicava particularmente. Todos os dias, depois da sesta, ela miava para chamar o dono. O sábio acariciava-a e levava-a para o jardim, onde ambos passeavam até ao pôr-do-sol. Ela era a sua única confidente, diziam os criados. A gata dirigia-se muitas vezes à cozinha, onde era bem recebida. O cozinheiro não escondia nem a carne nem o peixe, porque ela nada roubava, fosse cru ou cozinhado, contentando-se com o que lhe davam. Ora, uma tarde, depois do passeio diário, a gata roubou furtivamente um pedaço de carne de uma panela. Tendo-a surpreendido, o cozinheiro castigou-a puxando-lhe severamente as orelhas. Vexada, a gata fugiu e não apareceu mais durante todo o serão. Intrigado, o sábio perguntou por ela na manhã seguinte. O cozinheiro contou-lhe o que se passara. O sábio saiu para o jardim e durante muito tempo chamou a gata, que acabou por aparecer. — Porque roubaste a carne? — perguntou o sábio. — O cozinheiro não te dá comida que chegue? A gata, que tinha parido sem que ninguém soubesse, afastou-se sem responder e voltou seguida de três lindos gatinhos. Depois, fugiu e trepou à figueira do jardim. O sábio pegou nos três gatinhos e entregou-os ao cozinheiro que, ao vê-los, mostrou uma grande admiração. — A gata não roubou comida a pensar nela — declarou o sábio. — O seu gesto foi ditado pela necessidade. Portanto, não é de condenar. Para alimentar os filhos, qualquer ser, mesmo mais frágil do que um mosquito, roubaria um pedaço de carne nas barbas de um leão. A gata limitou-se a seguir o que lhe ditava o seu amor maternal. A conduta dela nada tem de repreensível. O pobre animal está a sofrer por a teres castigado injustamente. Fugiu para a figueira porque está zangada contigo. Deves ir lá pedir-lhe desculpa, para que se acalme e tudo volte ao normal. O cozinheiro concordou. Tirou o turbante, dirigiu-se à figueira e pediu perdão ao animal. Mas a gata virou a cabeça. O sábio teve de intervir. Conversou longamente com ela e lá conseguiu convencê-la a descer da árvore. A gata desceu lentamente da figueira, veio a miar roçar-se nas pernas do sábio e foi para junto dos seus três filhotes. Tradução e adaptação Jean Muzi 16 Contes du monde arabe Paris, Castor Poche-Flamarion, 1998 adaptado