quarta-feira, 15 de março de 2017

Lenda da Caninha Verde

  1.       Em tempos que já lá vão, nos primeiros tempos da Reconquista, vivia num palácio em Fataunços, perto de Vouzela, o nobre guerreiro El Haturra, descendente do famoso chefe mouro Cid Alafum. El Haturra era velho e feio e nunca era visto sem a sua bengala, uma velha cana que vinha sendo transmitida na sua família, de geração em geração, entregue ao seu novo possuidor com umas palavras misteriosas... Ora, o facto de El Haturra se fazer acompanhar por aquela cana negra e ressequida era objecto de troça de todos, a tal ponto que um seu amigo, o jovem português Álvaro o aconselhou a desfazer-se dela. El Haturraconfidenciou-lhe então que a vara tinha magia e que se um dia chegasse a ficar verde era o sinal sagrado do profético encontro de dois primos descendentes de Cid Alafum.
  2.      Nesse dia esperado, as terras e os tesouros do antigo chefe mouro voltariam à posse da família e as formosas mouras seriam desencantadas. Uma condição essencial era que ambos os descendentes professassem a religião de Alá. Um dia, passeavam El Haturra e o seu amigo Álvaro pelo campo quando viram uma linda princesa acompanhada por uma formosa aia, de cabelo negro e olhos azuis, que cavalgava um cavalo negro. De repente, a vara começou a ficar verde e El Haturra começou a rejuvenescer, tornando-se jovem e belo. Ao primeiro olhar, El Haturra tinha reconhecido na aia a descendente de Cid Alafum e, juntamente com Álvaro, saiu atrás das duas jovens que se dirigiam à corte do rei de Portugal. Diz a lenda que El Haturra conseguiu convencer a jovem aia a casar-se com ele e o rei de Portugal abençoou a união com uma condição: o baptismo de El Haturra. De início o agora jovem El Haturra opôs-se veemente, mas por fim a sua paixão foi mais forte e aceitou o desejo real.
  3.       O baptismo ficou marcado para o dia do casamento e foi então que aconteceu algo de extraordinário: no momento em que estava a ser baptizado, El Haturra voltou a ser velho e feio como dantes. A magia da caninha verde só seria válida se ambos os nubentes professassem a religião de Maomé.A noiva desmaiou naquele mesmo momento e nunca mais quis ouvir falar no seu noivo que desapareceu para sempre, enquanto que a sua cana verde foi guardada num sítio secreto.Segundo a tradição, se alguém gritar "Viva o fidalgo da caninha verde!" no mesmo local e à mesma hora em que se deu o encontro entre os dois descendentes de Cid Alafum, ouvirá gargalhadas alegres das mouras encantadas que pensam que chegou a hora da sua libertação.
Conto popular português (Vouzela)

terça-feira, 14 de março de 2017

A vendedora de cebolas

  1. A Vendedora de Cebolas
  2.       A rapariga tinha sido mandada à feira pela madrasta para vender um cesto de cebolas e uma giga de ovos. Saíra de casa com o cesto à cabeça ainda o sol não tinha nascido. Por várias vezes, ao longo do caminho, os socos derraparam nas pedras escorregadias pela geada. Salvou-a da queda o bom equilíbrio que sempre teve. Deixasse cair o cesto e era certa a tareia da madrasta. Tanto mais que não se vendem cebolas maçadas e ovos muito menos e ela tinha de entregar em casa o dinheiro certinho.
  3.      Chegou à feira já o sol ia alto. Quanto mais cedo se chegasse,melhor negócio se fazia. Os preços começavam a baixar com o arrastar da manhã e os mercadores acabavam por vender os últimos produtos a menos de metade do preço, para não terem de regressar a casa com eles.Passou ao lado da tenda do mercador de caldeirões e corou quando o viu a falar com uma velha que apontava para um caldeirão. Ele era tão bonito, que a rapariga gostava de passar ali só para o ver. O jovem mercador nem para ela olhava. E como poderia ele olhar para uma rapariga tão feia e tão miseravelmente vestida? Mas ela não se importava. A lembrança dele nos dias duros de trabalho e nas noites frias aquecia-lhe o peito e isso bastava-lhe.
  4.      Poisou o cesto – ninguém ali à volta se oferecera para a ajudar a descê-lo da cabeça, nem mesmo as conhecidas de outros dias de feira que ao lado apregoavam os produtos – e sentiu-se derreada.No dia anterior, a madrasta tinha-a mandado retirar o estrume do curral,trabalho que lhe ocupou grande parte do dia. Já na cozinha, quando tinha mais vontade de comer e ir para a cama do que fazer o que quer que fosse, a madrasta ainda a obrigou a fazer a ceia e a preparar o cesto para a feira.Enquanto picava uma cebola para o refogado, chorou e o pai, que acabava de chegar de uma lavrada, perguntou-lhe:
  5.      – Por que choras, minha filha?
  6.      E ela disse-lhe que por causa da cebola. O pai acreditou e sentou-se junto à lareira a tirar as botas antes de pôr os pés ao fogo. A madrasta, ao lado, cosia uns fundilhos e ali estiveram a fazer sala à espera que o manjar estivesse pronto, enquanto os dois miúdos, seus meio-irmãos, por ali andavam a arranhar-se com gritos e correrias.
  7.      Foi muito tarde que a rapariga se foi deitar no quarto das traseiras, depois de ter lavado a loiça, preparar o avental,a saia e a blusa que no dia seguinte vestiria para a feira.Mesmo assim, aos olhos de quem passava, não parecia mais do que uma mendiga, tão remendada estava a saia,tão gasto o avental e tão puída a blusa.Apesar de todas as desgraças, o negócio corria-lhe bem e no final da manhã tinha vendido quase todos os ovos e boa parte das cebolas. Estava com tanta fome que se atreveu a pegar numa cebola, das mais pequenas.
  8.      Tirou-lhe as várias camadas de casca e começou a comê-la com um pedacito de pão duro que guardara no bolso do avental. Estava ela de boca cheia, sentindo a acidez da cebola a picar-lhe a língua, quando se aproximou a velha que ela tinha visto a conversar com o jovem mercador. Trazia um caldeirão na mão, parou junto ao cesto e perguntou-lhe pelo preço das cebolas. A rapariga disse-lhe que, como eram as últimas, lhas dava por metade do preço. A velha apalpou uma e comentou:
  9.      – Não me parece que durem todo o Inverno. Têm a casca mole.
  10.      Piscou o olho direito e acrescentou:
  11.      – Se mas deres por metade do preço dessa metade que dizes, talvez as leve.
  12.      – Não posso, tiazinha – respondeu a rapariga. – A minha madrasta recomendou-me quen ão descesse o preço mais do que o justo. Se não lhe entregar o dinheiro certo, ela castiga-me.
  13.      – E como sabe ela qual é o dinheiro certo antes de a feira acabar? – perguntou a velha piscando desta vez o olho esquerdo. – É por acaso bruxa?
  14.      A rapariga não sabia dizer. As bruxas são más, toda a gente sabe, e se assim fosse, a madrasta era uma bruxa. Mas a rapariga também sabia que as bruxas eram velhas e feias. E então a madrasta já não podia ser bruxa. Foi por ser nova e bonita que o pai,quando ficou viúvo, casou com ela. Mas não sabia explicar como sabia a madrasta o dinheiro que a rapariga lhe deveria entregar.
  15.      – Talvez – sugeriu a velha – ela não saiba, mas diz que sabe para tu ficares com medo e não te deixares enganar pelos clientes ou não gastares o dinheiro mal gasto.
  16.     E pôs-se a matutar. Bem que as cebolas valiam o dinheiro que a rapariga pedia. Mas ela não tinha moedas suficientes. Foi então que lhe surgiu uma ideia:
  17.      – Dás-me as cebolas pelo meu preço e não precisarás mais de te preocupar com a tua madrasta, que deve ser uma mulher bem mais malvada do que eu.A rapariga não percebeu bem a fala da velha do caldeirão. Mas porque lhe pareceu que a velha era atrasadinha, coitada, deu-lhe as cebolas ao preço que ela estava disposta apagar. A velha meteu as cebolas no caldeirão e foi-se embora muito satisfeita depois de ter dito como despedida:
  18.      - Eu te fado bem fadada para que sejas bem casada.
  19.      A rapariga guardou as moedas no bolso do avental, acabou de comer a cebola e o pão, ajeitou o cesto na cabeça, agora bem mais leve e preparou-se para abandonar a feira. Passou na tenda do mercador dos caldeirões e, como sempre fazia,olhou para lá de relance. Estava estranhamente abandonada, com os caldeirõesbrilhando ao sol sem ninguém que os guardasse. A rapariga aproximou-se, poisou ocesto e pôs-se a observar a tenda. Ali perto havia um charco e ela ouviu um coaxar. Juntoà água estava um enorme sapo, tão grande como ela nunca vira. A maneira como o bichocoaxava parecia dizer: Beija-me, beija-me, mas dito pelo nariz. Ela pôs-lhe a mão e sentiu-lhe o dorso viscoso. Se fosse outra, sentiria nojo e fugiria dali a cuspir. Mas arapariga estava habituada a coisas bem mais nojentas que a madrasta a obrigava a fazer.
  20.     – Estás aqui sozinho? Coitadinho! – disse ela. E o sapo coaxava: Beija-me, beija-me. Ela pegou nele em ambas as mãos, como se pegasse numa flor, passou-lhe os lábios pela cabecita sem pescoço e, sem que ela percebesse como, viu-se ao colo do jovem mercador de caldeirões. Ele sorriu e retribuiu-lhe o beijo. Depois disse:
  21.     – És a rapariga mais bela deste reino. E porque me salvaste, farei de ti a rainha dos caldeirões
(Conto Tradicional)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Vem aí o Zé das Moscas


  1.      Contam que um homem, meio amalucado, se queixava de sofrer de zumbidos, muitos zumbidos à volta da cabeça, que o punham zonzo, aluado e ainda mais maluco do que ele já era.
  2.       - São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz--bzz... bzz-bzz... Não entendo isto - contava ele a quem tinha tempo e paciência para ouvi-lo. 
  3.      Havia os que se condoíam, havia os que se irritavam. Havia os que lhe fugiam, mal, ao longe, o enxergavam. Verdade se diga que o homem não tinha outra conversa. Alguém lhe deu de conselho que fosse ao médico. As salas de espera dos consultórios destes, estão cheias disseram-lhe. Uns casos ouvem zumbidos, outros, campainhas. Também há os que ouvem sinos. E os que ouvem sirenes. E os que não ouvem nada. Os médicos servem para isso mesmo, para escutar as queixas, classificar as doenças, ditar os tratamentos. Ele que se despachasse e fosse à consulta, porque, quase de certeza, o médico acharia remédio para o seu mal. Ele foi. 
  4.      - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz-bzz... 
  5.      O médico mirou-o dos pés à cabeça e perguntou-lhe: 
  6.      - O senhor costuma lavar a cabeça? 
  7.      - Por dentro ou por fora? 
  8.      - Por fora, já se vê - impacientou-se o médico. - Quem diz a cabeça, diz o cabelo. Porque o que eu vejo é que o senhor tem uma quantidade de moscas à volta da cachola. Para o seu caso, os meus estudos de nada servem.
  9.       - Então não tenho cura, senhor doutor?
  10.       O médico encolheu os ombros. Já tinha atendido imensos doentes, outros tantos o esperavam. Sentia uma perna dormente de estar sentado há que tempos. Saturado até mais não! Realmente o médico estava pelos cabelos e já com tão poucos... À maneira de despedida, despachou assim o homem: 
  11.      - Se as moscas o atormentam, grite-lhes e enxote-as. Passe bem. 
  12.      O homem seguiu à risca o conselho. Quer de noite quer de dia, desesperava-se a berrar: 
  13.      - Zute, moscas, zute, moscas! Vão fazer bzzbzz para outro monturo. 
  14.      Os vizinhos foram fazer queixa dele à polícia. Não conseguiam dormir descansados. O comandante mandou chamá-lo e pregou-lhe um discurso, que era uma reprimenda de todo o tamanho. 
  15.      - Mas a culpa toda é das moscas - lastimou-se o homem. 
  16.      - Se tem querela com as moscas, contrate um advogado e ponha uma acção contras as supraditas no tribunal - ordenou o comandante, um ferrabrás. - E ponto final no assunto. 
  17.      O pobre homem estava por tudo. Bateu à porta de um advogado. 
  18.      - Senhor doutor, são assim uns zumbidos bzz--bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz- bzz... 
  19.      - E que tenho eu com isso? - intrigou-se o advogado, que era novo no ofício, mas já pesporrento, como as maiores sumidades.
  20.      O homem contou donde viera, os santos de capela a que ajoelhara. 
  21.      - Que ideia a sua, mais a do policial que o persuadiu. 
  22.      Tantos anos de estudo, tantas noites mal dormidas, agarrado aos códigos, para suportar patacoadas deste jaez. Que enfado! O doutor advogado tinha azedumes e falta de clientes. Condescendência, nenhuma. 
  23.      - Se o seu mal são moscas e mosquitos, vá ao veterinário. A bem dizer, ele é que percebe de animais. Ora, portanto, as moscas pertencem-lhe. O homem, cada vez mais azamboado, foi ter com um doutor veterinário, que, depois de lhe ouvir as lamúrias, o atendeu com maus modos: 
  24.      - Então o doutorzinho passou-o para mim? Estava com os azeites e sacudiu as moscas para cima do parceiro, como se eu também fosse da batota. Pois deixe estar que eu já o despacho. Vá ao juiz. Se tem agravos contra insectos, desagrave-se, diante do juiz. 
  25.      Pobre homem. De Herodes para Pilatos, de tanto aturar doutores com a mosca e maus fígados, estava por metade do que fora. E os zumbidos sempre a atormentá-lo. 
  26.      - Senhor doutor presidente do tribunal, as moscas não me deixam em paz. São assim uns zumbidos bzz-bzz... bzz-bzz, que vêm e vão, passam e voltam, desandam e tornam. Bzz-bzz... bzz-bzz... Não entendo isto.
  27.      O juiz riu-se. Tinha acabado de almoçar, por sinal com o doutor advogado, o comandante de polícia e o médico. Rico almoço. O veterinário escusara-se ao convívio, porque andava de candeias às avessas com o advogado, embora o caso ainda se componha. Mais dia menos dia, vão encontrar-se os cinco à roda da mesma mesa. Mas a nossa história é outra. Estamos a desviar-nos. Onde é que nós íamos? No juiz, pois claro. Dizia ele, muito prazenteiro: 
  28.      - Fique o meu amigo sabendo que cada mosca tem a sua lei. Não há código que as vença. Só posso aconselhá-lo a que, assim que vir uma a jeito, lhe dê uma paulada das rijas. 
  29.      - E o senhor doutor presidente do tribunal não me manda prender por eu andar a matar moscas? -perguntou o homem, muito a medo. 
  30.      O juiz largou uma grande risada. Que história mais divertida aquela, para contar, depois, no café, ao advogado, ao comandante de polícia e ao médico... 
  31.      - Mandar prendê-lo por caçar moscas? Que ideia! - disse o juiz, assoando-se e enxugando as lágrimas do riso. 
  32.      - Passo-lhe já aqui uma licença, lavrada em papel selado, que o autoriza a matar todas as moscas do país, onde quer que as veja...Garanto-lhe que ninguém mais o incomodará. E o juiz redigiu, assinou e entregou o documento. Nisto, poisa uma mosca na careca do doutor das leis. O homem, assim que a viu, não esteve com meias-medidas. Pega num pau e zás, que se faz tarde!
  33.       Parece que quem ficou a ouvir zumbidos à volta da cabeça foi o tal doutor juiz. O nosso homem curou-se. E a história acaba aqui
  1. "Vem aí o Zé das Moscas" Texto de António Torrado, Histórias Tradicionais Portuguesas contadas de novo Publicado em: www.escolovar.org

terça-feira, 7 de março de 2017

Uma moça

Uma moça, bonita e prendada, não encontrava casamento, embora muito merecesse um bom estado. Ia sempre à missa das almas, pela madrugada, e rezava seu rosário para elas. Perto da casa da moça morava um homem rico e solteiro que dizia só casar-se com a melhor fiandeira da cidade. A moça sabendo essa notícia, ia comprar linho à casa do rico, dizendo fiá-lo todo num só dia. O homem ficava pasmado, vendo uma moça tão trabalhadora. Não dando inteiro crédito ao que ouvia, uma manhã, em que a moça apareceu para mercar um pouco de linho, disse-lhe em tom de brincadeira: moça, se esse linho é fiado num dia, sem entrar pelo serão, leve-o sem pagar e irei ao anoitecer ver sua tarefa. A moça voltou para casa muito aflita com a promessa porque não podia fiar o linho num dia, nem a metade da porção que trouxera. Pôs o linho nas rocas e começou a chorar, a chorar sem consolo. Quando, estava assim, ouviu uma voz trêmula dizendo: - Por que chora a minha filha? Levantou a cabeça e viu uma velha, muito velha, vestida de branco e muito pálida. Contou o que lhe sucedia e a velha disse: vá rezar seu rosário que eu vou ajudá-la um pouco. A moça foi rezar e quando acabou todo o linho estava fiado e pronto. A velha disse: Se você casar eu virei às bodas e não se esqueça de chamar-me minha tia por três vezes. A moça prometeu. Quando o mercador chegou e viu o linho fiado, ficou assombrado. Gabou muito a moça e no outro dia mandou, ainda uma porção maior de linho, dizendo que voltaria para ver o resultado. A moça pôs-se a chorar sem parar. Outra velha apareceu, parecida com a primeira, e fiou o linho num amém, enquanto a moça rezava. e ao despedir-se fez o mesmo pedido que a primeira velha fizera. Ainda uma vez o mercador visitou a moça e não teve palavras para elogiar o quanto ela fizera num dia. Mandou, de presente, ainda mais linho e o mesmo pedido. A moça voltou a lamentar-se e uma terceira velha apareceu e tudo se passou como de costume, linho fiado e promessa feita, O mercador veio visitar a moça e pediu-a em casamento, marcando-se o dia. Como um dos pre sentes de noivado, recebeu a noiva muito linho para fiar, e rocas, fusos, dobadouras e mais apetrechos. A moça estava desesperada com; o seu futuro. Quando acabou de casar, surgiram na porta as três velhas juntas. A moça, lembrada do que prometera, recebeu-as muito bem, tratando-as por tias, oferecendo comida, bebida, assento, e fazendo toda a sorte de agrados e oferecimentos. O noivo não tinha cobro do espanto qué lhe causava a feição de cada uma das velhas. Não se contendo, perguntou: - Por que as senhoras são assim, corcovadas, alhos esbugalhados e queixos para fora? Foi alguma doença? - Não foi, senhor sobrinho - responderam as velhas - foi o fiar que nos deu essas pechas. Fiámos anos e anos e ficámos assim, corcovadas pela posição, olhos esbugalhados de acompanhar o riço, queixos feios péla tarefa com os tomentos. O noivo não quis mais saber de rocas, fusos e dobadouras. Agarrou tudo e atirou pana o meio da rua, dizendo que jamais sua mulher havia de pegar num instrumento que a faria tão feia. Viveram muito felizes. As três velhas eram as "alminhas," agradecidas pela devoção da moça

domingo, 5 de março de 2017

lenda da princesa Joana

A princesa D. Joana, filha do rei Afonso V, revelou desde muito tenra idade uma grande vocação religiosa. Esta filha primogénita, apesar de ser obrigada a viver na Corte pela sua posição, afastava-se o mais possível de festas e convívios e passava grande parte do seu tempo a rezar e a meditar. A princesa era, dizia-se, muito bela e teve muitos pretendentes, entre estes muitas cabeças coroadas, mas a todos recusou alegando a sua intenção de se tornar freira. Com a autorização real, entrou D. Joana para Odivelas, mudando-se mais tarde para o Convento de Santa Clara de Coimbra mas acabando por resolver professar no Convento de Jesus, em Aveiro. Esta última decisão foi contestada tanto pelo rei como pelo povo, dado que o Convento de Jesus era muito pobre e, na opinião geral, indigno de uma princesa. Por outro lado, o povo discordava da vocação da princesa e não queriam ela professasse. Perante tanta discórdia D. Joana decidiu não professar, mas declarou que usaria o véu de noviça para sempre e insistiu em ingressar no Convento de Jesus, vivendo na humildade e na pobreza e aplicando as rendas que possuía no socorro dos pobres. A sua caridade era tão grande que depressa ficou conhecida como santa. Mas a bela princesa adoeceu de peste e morreu em grande sofrimento. Quando o seu enterro passou pelos jardins do convento deu-se um facto insólito: as flores que ela havia tratado em vida caiam sobre o seu caixão prestando-lhe uma última homenagem. Após este primeiro milagre, muitos outros foram atribuídos a Santa Joana Princesa, levando a que, duzentos anos depois, o Papa Inocêncio XII concedesse a beatificação a esta infanta de Portugal.

sábado, 4 de março de 2017

aconteceu na Caatinga

Era meio-dia e a caatinga brilhava à luz incandescente do Sol. O pequeno Calango deslizou rápido sobre o solo seco, cheio de gravetos e pedras, parando na frente do majestoso Mandacaru, que apontava para o céu seus espinhos, os grandes braços abertos em cruz. - Mandacaru! Mandacaru! Eu ouvi os homens conversando lá adiante e eles estavam dizendo que, como a caatinga está muito seca e cor de cinza, vão trazer do estrangeiro umas árvores que ficam sempre verdes quando crescem e estão sempre cheias de folhas. - Mas que novidade é essa? - falou a Jurema. - Coisa de gente besta - disse o Cardeiro, fazendo um muxoxo irritado e atirando espinhos para todo lado. - Eu é que não acredito nessas novidades - sussurrou o pequeno e tímido Preá. A velha Cobra, cheia de escamas de vidro e da idade do mundo, só fez balançar a cabeça de um lado para o outro e, como se achasse que não valia a pena falar, ficou em silêncio. E no outro dia, bem cedinho, os homens já haviam plantado centenas de arvorezinhas muito agitadas, serelepes e faceiras, que falavam todas ao mesmo tempo na língua lá delas, reclamando de tudo: do Sol, da poeira, dos bichos e das plantas nativas, que elas achavam pobres, feias e espinhentas. Enquanto falavam, farfalhavam e balançavam os pequenos galhos, que iam crescendo, ganhando folhas e ficando cada vez mais fortes. Enquanto isso, as plantas da caatinga, acostumadas a viver com pouca água, começaram a notar que essa água estava cada vez mais difícil de encontrar. As raízes do Mandacaru, da Jurema e do Cardeiro cavavam, cavavam e só encontravam a terra seca e esturricada. O Calango então se reuniu com os outros bichos e plantas para encontrar uma solução. E foi a velha Cobra quem matou a charada: - Quem está causando a seca são essas plantinhas importadas e metidas a besta! Eu me arrastei por debaixo da terra e vi o que elas fazem: bebem toda a nossa água e não deixam nada para a gente. - Oxente! - gritou o Calango. - Então vou contar isso aos homens e pedir uma solução. Mas logo o Calango voltou, triste e decepcionado. - Os homens não me deram atenção - disse. - Falaram que eu não tenho instrução, não fiz universidade e que eu estou atrapalhando o progresso da caatinga. E todos os bichos e plantas ficaram tristes, mas estavam com tanta sede que nem sequer puderam chorar: não havia água para fabricar as lágrimas. Por muitos dias ficaram assim e quando estavam à beira da morte houve um movimento: era o Preá, que levantou o narizinho, farejou o ar e, esquecendo a timidez, gritou: - Estou sentindo cheiro de água! - É mesmo! - gritaram todos. - O que será que aconteceu? - perguntou a Jurema. - Eu vou ver o que foi - e o Calango saiu veloz, espalhando poeira para todos os lados. O Mandacaru estirou os braços, espreguiçou-se e sorriu: - Estou recebendo água de novo! Hum... É muito bom! Mas vejam! O Calango está de volta com novidades! E espichando meio palmo de língua de fora, morto de cansado pela carreira, o Calango contou tudo. - As pequenas bandidas verdes, depois de beber quase toda a água da caatinga, estavam ameaçando a água dos rios e dos açudes perto das cidades. Os homens então viram o perigo e deram fim a todas elas. Estamos salvos! E todos ficaram alegres, sentindo a água subir pelas raízes. Olharam para o céu azul da caatinga, aquele céu claro, o Sol brilhante, olharam uns para os outros e viram que eram irmãos, na mesma natureza, no mesmo tempo, na mesma Terra. E a velha Cobra, desenroscando-se toda lentamente, piscou o olho e concluiu: - É como dizia minha avó: cada macaco no seu galho!

sexta-feira, 3 de março de 2017

Carnaval e Cinzas

Poema do Carnaval

Nesta época festiva,
Deseja-se a todos os Povos...
Um Carnaval cheio de Páscoas...
E um Natal cheio de Anos Novos....

Que as renas do Pai Natal,
Surjam nos céus a Voar,
Tilintando alegremente...
Com o Rudolph a piscar!

Que o Pai Natal e os duendes,
Façam raves a bombar...
E não se baralhem nas botas...
Na altura de ofertar!....

Que o presépio de Natal,
Tenha estrelas sorridentes,
Ovelhinhas e pastores...
E Reis Magos bué contentes!

Que tudo surja em sorrisos,
Com muita paz e carinho...
E que o coelho da Páscoa,
Se esmere no sapatinho!

Que se tenha nesta quadra,
Muito amor e alegria...
Rabanadas e filhoses
Arroz doce e aletria!

(desconhecido)

Máscara de Carnaval

"Como te quero e admiro
Máscara de Carnaval ...
Máscara querida,
Porque não és fingida ...
Tu não mentes,
Dizes o que sentes,
És o que és ...
Fica conosco
O ano inteiro;
Ensina o homem
A ser verdadeiro;
Tapa-lhe a cara
De máscara disfarçada,
Que faz do mundo actual,
Um terrivel
E constante Carnaval."

(Maria Alice Fonseca)



Quarta-Feira de Cinzas ou Poeiras

Queira ou não queira terminou o Carnaval.
Para alguns ou muitos, agora é que começa o ano oficialmente. Para outros como eu, já estou vivendo o novo ano há um bom tempo... várias emoções, momentos, desilusões, ilusões, visões e certezas.
Bem, para quem ainda pensa que o ano ainda não começou... comece agora e tente recuperar o tempo off que acabou passando... Ame o dobro, beije o dobro, abrace o triplo e viva mutiplicando-se.

Que venham outros feriados.